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São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

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POLÍCIA FORA DA LEI

Acusação do Ministério Público atinge 13 ex-integrantes do grupo, extinto após ações ilegais contra o PCC

PMs do Gradi são denunciados por tortura

ALESSANDRO SILVA
GILMAR PENTEADO

DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério Público de São Paulo denunciou ontem 13 policiais militares, entre eles um tenente-coronel e um tenente, pelo crime de tortura. Todos faziam parte do extinto Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância), que, entre julho de 2001 e abril de 2002, recrutou ilegalmente presos em penitenciárias do Estado para infiltrá-los em supostas quadrilhas ligadas à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
É a primeira acusação formalizada pela Promotoria em um ano de investigações contra homens dessa unidade, que serviu como principal aparelho de repressão do Estado ao crime organizado e que chama a atenção pelo número de mortes -27 em cinco operações. As ações suspeitas do Gradi foram reveladas pela Folha em julho do ano passado.
A pena para o crime de tortura, em caso de condenação, pode passar de dez anos se forem aceitos todos os argumentos da acusação. Cinco promotores assinam o documento encaminhado ontem para a Justiça estadual.
Em outro procedimento sobre as ações do grupo de inteligência da PM, que está sob sigilo no Tribunal de Justiça, o atual secretário da Segurança Pública do Estado, Saulo de Castro Abreu Filho, e dois juízes são investigados a pedido do procurador-geral de Justiça, Luiz Antonio Guimarães Marrey. Pelo cargo, os três têm direito a foro privilegiado.
A Justiça irá decidir agora se aceita ou não a denúncia do Ministério Público para processar os 13 policiais e o preso Marcos Massari, um dos condenados recrutados pelo Gradi. Todos teriam participado de alguma forma no espancamento dos detentos Ronny Clay Chaves e Rubens Leôncio Pereira, em 31 de março do ano passado, na capital.
A história começa um dia antes na sede do 1º Batalhão de Choque da Polícia Militar, no Brooklin (zona sul de SP). Os presos Chaves e Pereira, retirados pelo Gradi de uma penitenciária com ordem judicial, receberam um carro "frio" e um celular da polícia para ir a uma reunião em que supostos assaltantes planejariam o roubo a um hotel no litoral.
No meio da operação, porém, eles enganaram os dois PMs que os acompanhavam em outro veículo descaracterizado e fugiram no carro da corporação.
No dia seguinte, com a ajuda de outro recrutado, Marcos Massari, os policiais do Gradi localizaram os foragidos em uma casa na zona sul da capital. Segundo a Promotoria, "apesar de não oferecerem nenhuma resistência, as vítimas foram violentamente agredidas e submetidas a intenso sofrimento físico, com chutes e socos".
Pereira, apanhado no segundo andar do sobrado, teria sido jogado de uma janela, fraturando o fêmur na queda. Apesar disso, conforme a denúncia, continuou a ser agredido pelos policiais.
O outro detento, Chaves, detido no banheiro da casa, teria sido jogado de uma escada e espancado, sofrendo ferimentos pelo corpo, de acordo com laudo médico.
Seis PMs são acusados de participar diretamente das agressões durante a prisão: o sargento Hélio Soares, o soldado Paulo Sérgio de Oliveira, o sargento João Carlos Salatiel, o sargento Rodney Carmona, o soldado José Fernandes de Lima e o subtenente Hamilton Oliveira de Morais.
Outros seis teriam presenciado, agredido ou incentivado: o tenente Henguel Ricardo Pereira, o cabo Francisco Alexandre Filho, o sargento Everaldo Borges de Souza, o soldado Marco Antonio Gomes Dias, e os sargentos Eduardo Souza Izabo e Eduardo Nelson Parra Marim. O preso Massari estaria nesse grupo.
Após a detenção, Pereira foi levado até um pronto-socorro, pois estava com a perna fraturada, enquanto Chaves seguiu para a sede do 1º Batalhão de Choque -base do Gradi. Lá, teria sido algemado, agredido -inclusive por Massari- e trancado por quase uma hora, sob sol forte, no compartimento de presos de um carro.
O último PM denunciado, o tenente-coronel Roberto Mantovan, na época coordenador do Gradi, "estava na sala ao lado, ouvia os gritos de socorro da vítima, mas não interveio, permitindo que o suplício se estendesse por significativo período de tempo, apesar de ter o dever jurídico de coibir e apurar" o caso, segundo o texto da denúncia da Promotoria.
Ontem, o tenente-coronel, que passou para a reserva há três meses, negou a acusação. "A realidade é totalmente diferente da versão contada pelos presos", disse.
A Folha não conseguiu localizar os outros policiais denunciados, mas teve acesso ao depoimento deles durante a fase de inquérito. Todos negaram as acusações de tortura.
Polícia e Promotoria afirmam que a demora para se fazer a denúncia ocorreu por causa do envio do inquérito para o Tribunal de Justiça, em agosto do ano passado, por causa da suposta ligação dos juízes e do secretário com ações do Gradi. Em março, o caso de tortura retornou para a polícia por determinação do TJ e foi encerrado há duas semanas.


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