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CHOQUE TÉRMICO
Estudo indica que, por concentrar corredores de edifícios, avenida canaliza ventos e vira zona de baixa temperatura
Efeito "cânion urbano" esfria a Paulista
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL
A sensação de alternância de
frio e calor percebida por quem
passa pela avenida Paulista, centro de São Paulo, tem nome, sobrenome e explicação. A via, que
concentra corredores de edifícios
que projetam grandes sombras e
canalizam os ventos, é um dos
"cânions urbanos" da cidade, que
formam artificialmente uma zona
com temperatura mais baixa.
Assim como as avenidas Brigadeiro Faria Lima (zona oeste),
Giovanni Gronchi e Luís Carlos
Berrini (ambas na zona sul), a
Paulista é identificada por um estudo da Unesp (Universidade Estadual Paulista) por essa característica. "Mas, na Paulista, o fenômeno é mais incrível. Ela fica em
uma região alta e tem prédios
também muito grandes, ficando
mais fria e com sombras maiores", disse a professora Magda
Lombardo, coordenadora da pós-graduação em geografia da Unesp
e responsável pelo levantamento.
Segundo ela, as temperaturas
podem ser menores em até 3C
nos cânions. "É um pequeno choque térmico", afirmou o biometeorologista Fábio Gonçalves,
professor da USP (Universidade
de São Paulo). De acordo com ele,
a sensação só não é pior do que a
de sair de uma sala com ar-condicionado para a rua, situação em
que a diferença de temperatura
pode chegar a 10C.
A Paulista, zona artificialmente
fria, fica justamente dentro de
uma das áreas quentes da cidade
(veja quadro). "Com suas construções, ela ajudou a esquentar a
região", disse Lombardo.
Para quem passa pela Paulista, a
diferença entre o clima no cânion
e fora dele é nítida. "Com a concentração de prédios, o sol demora a chegar. Como entro cedo no
trabalho, vou fugindo das sombras, onde é mais gelado", diz o
jornalista Erick Castelhero, 37,
que mora em Guarulhos e sempre
trabalhou na avenida.
A assistente comercial Patrícia
Perretti, 35, considera a região onde mora, a Freguesia do Ó (zona
norte), mais quente que a Paulista, onde trabalha. Perto de onde
vive há muitas casas em vez de
prédios. Sua colega, Luciene Ramos, 28, usava blusa de lã de gola
alta ontem, às 15h, com o sol a pino. "Passo muito frio aqui", diz.
Ontem, a máxima chegou a 30C
na estação da Consolação, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências).
Contraponto climático
Os cânions são contrapontos
das ilhas de calor, regiões que
concentram as maiores temperaturas e piores umidades relativas
do ar. Elas existem em razão da alta densidade populacional e do
grande número de edifícios, aliados à pouca vegetação. Nesses
pontos da cidade, que a professora Lombardo considera "doentes", as pessoas sofrem mais problemas respiratórios e alérgicos.
"Entre os diversos pontos da cidade pode haver diferença de até
10C. O mais quente, o domo da
ilha, é o centro. E a região mais
agradável e com maior qualidade
ambiental e de vida é a serra da
Cantareira", afirmou.
Outros bairros "saudáveis" são
Morumbi, Jardins, Chácara Flora
e Granja Julieta. "O Morumbi tem
terrenos com 40% a 50% da área
vegetada. Quando vimos a imagem de satélite do bairro, aparecem só as copas das árvores. Esse
é o índice exigido em Berlim, uma
das cidades que têm a legislação
ambiental mais rigorosa."
Entre os que ela cita como locais
problemáticos estão Cidade Tiradentes, Itaquera, Mooca e Brás.
Eles têm pouca vegetação e são
muito asfaltados. Segundo a pesquisadora, a saída, simples, é
plantar mais árvores.
A Prefeitura de São Paulo lançou neste ano o programa de arborização urbana e plantou, até
agora, 12 mil árvores -só 5,6%
do total prometido pela Secretaria
do Verde e do Meio Ambiente para 2005. O programa está suspenso atualmente em razão da seca e
deve ser retomado na primavera.
Vento
Em São Paulo, a rua da Glória,
na região central, é onde o vento
faz a curva. Quem diz isso são os
pedestres. "Já vi placas e banners
voarem aqui. É horrível", diz o gerente Júlio César Pereira Lima.
Segundo Magda Lombardo, isso acontece em razão da geometria urbana e da diferença de pressão. "A rua "encana" os ventos,
que são obrigados a passar por ali
e ganham mais velocidade", diz o
biometeorologista Gonçalves.
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