|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Letícia, vira-lata, assiste à missa no altar de igreja em Pinheiros
O padre da Cruz Torta, Ilson Frossard, leva a sua cachorra nas atividades
FERNANDA CALGARO
DA REDAÇÃO
Missa de domingo, batizado,
casamento ou curso para noivos. A vira-lata Letícia sempre
está presente nas cerimônias
que acontecem na igreja da
Cruz Torta, no Alto de Pinheiros (zona oeste de SP).
O interesse dela, porém, não
está nas celebrações, mas, sim,
em seu dono: o padre Ilson
Frossard, 81. "Ela é minha sombra", diz, sem exageros.
Bem à vontade e sem latir
uma única vez, ela circula pelo
altar, olha para o padre, se coça,
espreguiça, olha mais uma vez
para o padre, abana o rabo e
passeia entre os fiéis -alguns
lhe fazem um afago. "Dá até
uma descontraída na missa",
conta Gislene Machado, 35,
que costuma assistir à cerimônia de domingo ao lado do marido, Sidney Bant, 38. E se o freqüentador quiser levar seu animalzinho? O padre não se opõe.
Com a pelagem branca, manchada de preto e rabo peludo,
Letícia não tem idade certa.
"Ganhei-a já adulta há uns seis
anos. Ela tinha sido atropelada
e estava sendo tratada na veterinária onde levo os meus outros cachorros", relembra o padre, que tem ainda outros oito
cães -o décimo morreu há menos de um mês.
Desde então, Letícia não desgrudou mais do dono. Anda para todos os lados com ele e sem
coleira. Cuidadosa, atravessa as
ruas movimentadas pela faixa
de pedestre. "É mais fácil eu ser
atropelado do que ela de novo",
brinca o padre.
Uma vez, em visita à catedral
da Sé, acabou sendo expulsa
por um vigia enquanto o padre
Ilson se distraiu. Ficou perdida
por dez horas. O dono, aflito,
procurou-a pela igreja e nas redondezas da praça, mas, após
busca incessante e porque devia voltar à paróquia para celebrar um casamento, pediu ao
incrédulo dono do estacionamento onde deixara o carro para lhe telefonar no caso de a cachorra aparecer no local. Foi
com alívio e sem estranhamento que recebeu o recado para ir
buscá-la. "Desde esse dia, ficou
depressiva, mais quieta", conta.
"Zoológico"
Ordenado padre há 53 anos,
ele está à frente da Cruz Torta
-oficialmente paróquia Nossa
Senhora Mãe do Salvador-, faz
35 anos. "Minha primeira e última paróquia", diz.
Natural de Divino, cidade mineira com menos de 20 mil habitantes, vive em São Paulo
"desde sempre" -nos últimos
anos em uma casa de campo em
Cotia, ou Embu ("tanto faz, fica
ali perto da rodovia Raposo Tavares"), com os seus nove cachorros. Para passar o dia na
paróquia, vão apenas alguns.
No local, há também quatro gatos. "Eu tinha lá fora pavão,
ganso, pato, galinha-d'angola,
macaco, mas recebi uma carta
anônima ameaçando dar veneno aos animais se eu não os tirasse dali. Não teve jeito, levei
tudo embora", conta resignado.
Até Jesus
Na visão da Arquidiocese de
São Paulo, o gesto do padre Ilson de permitir a presença da
cachorra é visto sem desrespeito nenhum. "É uma atitude
muito bonita. Não há incômodo nenhum nem atrapalha.
Tem algo de franciscano mesmo", afirma o padre Juarez Pedro de Castro, secretário de comunicação da arquidiocese.
"Se quando Jesus Cristo nasceu havia uma vaca e um burro
presentes, porque haveríamos
de considerar a cachorra no altar uma falta de respeito?",
questiona. Segundo o padre
Juarez, toda paróquia pode receber animais nas suas cerimônias, mas, que ele saiba, apenas
a Cruz Torta conta com a cena
"pitoresca", nas palavras dele.
Texto Anterior: Segundo IBGE, Brasil já atingiu taxa de reposição populacional prevista para 2016 Próximo Texto: Saúde/Farmacologia: Uso de antiinflamatórios exige cautela e orientação Índice
|