São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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SAÚDE
Pediatras tratam vírus com antibiótico

PRISCILA LAMBERT
da Reportagem Local

Cerca de 85% dos casos de amigdalite (infecção das amígdalas) em crianças pequenas são causados por vírus. No entanto, a mesma porcentagem dos casos são tratados incorretamente com antibióticos -eficazes apenas contra infecções bacterianas.
Esse uso indiscriminado de antibióticos -não só contra amigdalite, mas outras infecções virais das vias respiratórias superiores- é um dos fatores responsáveis pelo desenvolvimento de bactérias resistentes a eles.
O alerta foi feito pelo presidente da Sociedade Paranaense de Pediatria, João Gilberto Sprotte Mira, para cerca de 2.000 pediatras do país que participaram do Curso Nestlé de Atualização em Pediatria, ocorrido na semana passada, em Foz do Iguaçu.
Um estudo feito por microbiologistas do Rio de Janeiro e apresentado no Congresso da Sociedade Americana de Microbiologia, em junho passado, chegou a números preocupantes.
Foram analisadas amostras de pneumococos -bactérias que podem causar sinusite, otite e pneumonia, entre outras infecções- de 260 crianças, entre os anos de 97 e 98.
A pesquisa concluiu que 24% das amostras de bactérias eram resistentes à penicilina (17% com resistência intermediária e 5% com alta resistência) e 52% eram muito resistentes à sulfa -antibiótico ainda muito usado no Sistema Único de Saúde.
Quando a criança desenvolve bactérias resistentes, os médicos têm de prescrever antibióticos mais fortes, em maiores doses, e, muitas vezes, mais caros", diz Tania Sih, presidente da Sociedade Interamericana de Otorrinopediatria e professora da Faculdade de Medicina da USP.
A infecção viral costuma desaparecer depois de alguns dias. O tratamento deve se basear apenas no alívio dos sintomas, com analgésicos e antitérmicos.
Há várias justificativas fornecidas por médicos para o uso inadequado de antibióticos para infecções virais. A primeira delas é que, muitas vezes, os sintomas de uma doença viral é muito semelhante à causada por bactérias.
"Em relação à amigdalite, por exemplo, é mais comum haver pus quando a causa é bacteriana. Mas às vezes também ocorre na viral", diz Sprotte Mira. "E, se a bacteriana não é tratada logo, pode causar febre reumática ou nefrite. Por isso, os médicos acabam atacando com antibiótico mesmo sem ter certeza."
Os médicos apontam ainda que muitas mães os pressionam a prescrever antibióticos. "Elas dizem que precisam que seus filhos melhorem logo para poderem voltar ao trabalho", afirma Tania.
Como muitas delas não têm condições financeiras para voltar outras vezes ao consultório, os pediatras acabam prescrevendo o antibiótico temendo que a infecção se agrave.
O uso inadequado do antibiótico reduz a quantidade de bactérias protetoras que as crianças possuem na flora das vias respiratórias superiores. Isso permite a proliferação de bactérias agressivas -como a Haemophillus influenzae e o pneumococo, causadores de sinusite, meningite, pneumonia e otite-, que se tornam resistentes.
Essas doenças são comuns em crianças de até 2 anos, que têm baixa capacidade imunológica. "Pais e médicos têm de acabar com essa idéia de que o antibiótico vai resolver qualquer problema. Isso cria, sim, um problema de saúde pública", diz Tânia.


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