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URBANIDADE
Era mais do que um muro de heras
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Desnorteada, Maria Lúcia de Oliveira ontem
ainda não sabia como reagir à
destruição do muro coberto de
heras que dava um ar bucólico à
vila onde mora. "É como se tivesse sido estuprada", compara.
Incrustada no Itaim Bibi, nas
redondezas da avenida Brigadeiro Faria Lima, aquela vila já
teve jeito de cidade de interior.
Num cenário de ruas ladrilhadas, com bancos de praça, flores
e casas cercadas de pequenos
jardins, os moradores encontravam tempo para conversar à
noite. Sentiam-se protegidos da
especulação imobiliária -e o
muro de heras prestava-se a
uma espécie de fronteira. Ilusão.
Empresas foram, aos poucos,
comprando as casas, apostando
na especulação; alguns moradores foram-se embora e, com eles,
a animação das conversas noturnas. Maria Lúcia viu-se obrigada a conviver com a balbúrdia
dos bares e com a modernidade
das empresas pontocom e dos
prédios inteligentes.
"Abriram em frente à vila um
bar que só tinha permissão para
funcionar até as 20h, mas que
nunca fechava antes das 2h. Um
dia, perdi a paciência e fui para
lá, de pijama, reclamar." Adaptou-se aos novos tempos: instalou janelas anti-ruídos e passou
a dormir com uma máscara tapa-olho.
O maior golpe veio na semana
passada. Quando acordou, o
muro tinha sumido -fora derrubado pela construtora Sérgio
D'Avila. No lugar, um tosco tapume. "Pensei que fosse ter um
infarto." Sérgio D'Avila, o construtor, defende-se: "O muro é da
casa que eu comprei. Agora estou construindo um prédio e preciso de novos alicerces".
Sérgio diz não entender o abatimento de Maria Lúcia. "Não
sei por que tanta implicância.
Vamos fazer outro muro." Ela
não tem a menor idéia de como
sensibilizar um construtor sobre
a importância de suas heras.
A destruição daquelas plantas
pesou como uma ação de despejo. "Hoje tenho consciência de
que, mais cedo ou mais tarde,
vou deixar este lugar. Preciso de
sossego e já estou quase sozinha.
Isso me entristece porque moro
aqui desde 1969 e ninguém faz
idéia de quanto eu lutei para fazer desta vila um oásis na minha
vida."
Na sua luta solitária, ela foi
aconselhada a procurar advogados. "Como vou brigar com uma
construtora?" Sérgio garante que
não fez nada de errado: "O muro
é meu". E, pelo jeito, sem as heras, aquela vila já não é dela.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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