São Paulo, quarta-feira, 17 de outubro de 2001

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URBANIDADE

Era mais do que um muro de heras

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Desnorteada, Maria Lúcia de Oliveira ontem ainda não sabia como reagir à destruição do muro coberto de heras que dava um ar bucólico à vila onde mora. "É como se tivesse sido estuprada", compara.
Incrustada no Itaim Bibi, nas redondezas da avenida Brigadeiro Faria Lima, aquela vila já teve jeito de cidade de interior. Num cenário de ruas ladrilhadas, com bancos de praça, flores e casas cercadas de pequenos jardins, os moradores encontravam tempo para conversar à noite. Sentiam-se protegidos da especulação imobiliária -e o muro de heras prestava-se a uma espécie de fronteira. Ilusão.
Empresas foram, aos poucos, comprando as casas, apostando na especulação; alguns moradores foram-se embora e, com eles, a animação das conversas noturnas. Maria Lúcia viu-se obrigada a conviver com a balbúrdia dos bares e com a modernidade das empresas pontocom e dos prédios inteligentes.
"Abriram em frente à vila um bar que só tinha permissão para funcionar até as 20h, mas que nunca fechava antes das 2h. Um dia, perdi a paciência e fui para lá, de pijama, reclamar." Adaptou-se aos novos tempos: instalou janelas anti-ruídos e passou a dormir com uma máscara tapa-olho.
O maior golpe veio na semana passada. Quando acordou, o muro tinha sumido -fora derrubado pela construtora Sérgio D'Avila. No lugar, um tosco tapume. "Pensei que fosse ter um infarto." Sérgio D'Avila, o construtor, defende-se: "O muro é da casa que eu comprei. Agora estou construindo um prédio e preciso de novos alicerces".
Sérgio diz não entender o abatimento de Maria Lúcia. "Não sei por que tanta implicância. Vamos fazer outro muro." Ela não tem a menor idéia de como sensibilizar um construtor sobre a importância de suas heras.
A destruição daquelas plantas pesou como uma ação de despejo. "Hoje tenho consciência de que, mais cedo ou mais tarde, vou deixar este lugar. Preciso de sossego e já estou quase sozinha. Isso me entristece porque moro aqui desde 1969 e ninguém faz idéia de quanto eu lutei para fazer desta vila um oásis na minha vida."
Na sua luta solitária, ela foi aconselhada a procurar advogados. "Como vou brigar com uma construtora?" Sérgio garante que não fez nada de errado: "O muro é meu". E, pelo jeito, sem as heras, aquela vila já não é dela.

E-mail: gdimen@uol.com.br


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