São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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BARRACÃO DE ZINCO

Ouvidor-geral da Polícia de São Paulo reclama de falta de estrutura para fiscalizar 140 mil homens

"Saí de um cortiço para um puxadinho"

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O ouvidor-geral da Polícia de São Paulo, Itajiba Farias Ferreira Cravo, completa dois terços de seu primeiro mandato como fiscalizador do maior efetivo policial do país em um local de trabalho que ele mesmo descreve como um "puxadinho".
Logo no começo do mandato de dois anos -que pode ser prorrogado por mais dois- , em junho de 2003, Cravo definiu as instalações da Ouvidoria como um "cortiço", mas tinha esperança de reverter o quadro.
A Ouvidoria se mudou do segundo para o quinto andar de um prédio na rua Líbero Badaró, no centro de São Paulo.
Essas mudanças, segundo o ouvidor-geral, só foram suficientes para transformar o "cortiço" em um "puxadinho".
No local destinado para fiscalizar o serviço de 140 mil policiais militares e civis, faltou papel para instalar procedimentos de investigação, o gasto dos telefones recebeu restrição da Secretaria da Segurança Pública -pasta na qual a Ouvidoria é ligada- , as instalações hidráulicas, elétricas e sanitárias estão precárias, segundo afirma o ouvidor-geral nesta entrevista.
 

Folha - Um ano e quatro meses atrás, quando assumiu o cargo, o senhor falava que estava em um cortiço. O senhor continua em um?
Itajiba Farias Ferreira Cravo -
Não. Eu recebi uma melhora substancial no que diz respeito a recursos humanos. Em todas as minhas solicitações em preenchimento de cargos, eu fui atendido. Agora, quanto às instalações, para usar a linguagem do povo, saímos do cortiço para um puxadinho.

Folha - Por que um puxadinho?
Cravo -
Puxadinho é quando a pessoa não tem dinheiro para fazer uma construção completa, ela faz só a viga baldrame [viga de concreto armado], ergue o mínimo necessário com concreto, a fiação fica exposta, enfim, é uma construção precária. É uma repartição que está absolutamente incompatível. Principalmente em relação à importância do órgão que é a Ouvidoria. Ela recebeu representante da ONU, vários cônsules, gente de todo o mundo.

Folha - Um exemplo dessa falta de estrutura?
Cravo -
Eu te dou o exemplo de água e café. Você quer um café? Quer? Não tem. Não tem água. E o único banheiro, que é para uso de todos, uma porta está interditada e a situação de higiene eu prefiro não colocar um adjetivo.

Folha - O antecessor do senhor falava em boicote da Secretaria da Segurança Pública. O senhor também acredita nisso?
Cravo -
Não. Essa é sempre uma colocação dramática. Primeiro, que o meu interlocutor direto é o secretário adjunto [da Segurança Pública, Marcelo Martins de Oliveira], que por várias vezes marcou para verificar essa situação e, pelos compromissos que assumiu, não veio. O contato operacional é por parte do chefe de gabinete da secretaria, Luiz Hélio da Silva Franco. Para mim, parece muito mais uma questão de falta de competência para operar a coisa pública.

Folha - Mas ele não representa a secretaria?
Cravo -
Eu não posso tirar do secretário [Saulo de Castro Abreu Filho] a competência de delegar o poder, é a autoridade dele. Mas desse chefe de gabinete, eu só tive, no máximo, uma correspondência muito mal educada.

Folha - O senhor falou da imagem da Ouvidoria. No que isso prejudica o trabalho do dia-a-dia?
Cravo -
O filósofo alemão Walter Benjamim já falava que o poder é a aparência. Uma parte do poder já é a aparência. Então, se você está num lugar visivelmente deteriorado, que o carpete está carcomido, que as instalações estão precárias, isso mitiga de uma parte o poder de um ouvidor-geral de polícia. No final, isso não termina interferindo obrigatoriamente na independência. Mas poder também é aparência. Um problema de eu precisar me impor mais por conta da questão da aparência.

Folha - É um ambiente insalubre?
Cravo -
No caso das instalações sanitárias, é um caso precária, o que tem de barata. Aqui o que se tem é um ambiente absolutamente incompatível com a atividade do ouvidor-geral. Aquele que controla o serviço de 140 mil homens- 90 mil da Polícia Militar e 42 mil da Polícia Civil. Há um descompasso entre o poder de fato e o lugar onde ele [o ouvidor] vem trabalhar.

Folha - E material de manutenção da Ouvidoria?
Cravo -
Já tivemos problemas com folha de papel. Da Ouvidoria ter ficado quase dois meses sem folha de papel timbrado para fazer todos os procedimentos. O consumo é grande.

Folha - Qual foi a justificativa da secretaria?
Cravo -
Eu sei que esses assuntos, no que concerne a material, estão ligados ao chefe de gabinete. Eu não posso desautorizar o secretário, agora o que eu tenho de fazer é me desdobrar como isso fosse um pedido, um favor.

Folha - Mas qual foi a justificativa oficial?
Cravo -
Eu fiz uma série de ofícios, só depois eu consegui falar com o secretário adjunto. Ele chamou o chefe de gabinete, e surpreendentemente, o assunto se resolveu em menos de 48 horas.

Folha - Falava-se na mudança de prédio.
Cravo -
Essa questão está lá [na secretaria], mas, por enquanto, eu estou às cegas. De novo, estou sem informação.

Folha - E o restante dos custos?
Cravo -
Eu recebi uma correspondência deselegante, para dizer o mínimo, insinuando que o uso do telefone não estaria sendo feito no exercício regular das funções. Aí eu fiz lembrar que só existem duas linhas livres na Ouvidoria -a conta mais alta, se não me engano, ultrapassou R$ 3 mil- para servidor o ouvidor-geral, um delegado de primeira classe e um tenente-coronel. A advertência era indevida e mal-educada, formalizada em um ofício que deselegante é pouco para classificar.

Folha - Seria uma reação ao trabalho da Ouvidoria?
Cravo -
Não. Eu acho que isso é tentar trazer o assunto sob o ponto de vista político-partidário, que eu entendo que não seja o foco da questão. Posso dizer que a Ouvidoria pode estar no plano de avaliação como uma questão secundária, terciária.

Folha - A perspectiva de melhora é uma incógnita?
Cravo -
Tudo que diz respeito à ligação administrativa com a secretaria, para mim, é uma incógnita. Porque o interlocutor que foi delegado não me dá resposta. Isso é categórico. Não me dá resposta.

Folha - Se a ordem fosse valorizar a Ouvidoria, isso iria ocorrer?
Cravo -
Pode ser. Eu não acredito que seja uma questão de ordem ou falta de ordem. É uma questão de eleição de prioridade numa secretaria que tem como fonte principal o combate ao crime. Aí eu não sei o grau de importância.

Folha - Nesses 15 meses, o que o senhor conseguiu e não conseguiu no cargo de ouvidor?
Cravo -
A Ouvidoria, queiram ou não, evolui e cresce enquanto espaço de conquista democrática. O ano que vem ela completa dez anos e ela está crescendo sob o ponto de vista de prestígio, como fonte de referência. A Ouvidoria da Polícia melhorou especialmente no caráter de prover seus respectivos cargos. O que eu não consegui foram as condições de uma estrutura digna, à altura do que é uma Ouvidoria Geral de Polícia como a do Estado de São Paulo.

Folha - Os antecessores do senhor tiveram essa estrutura?
Cravo -
Olha, o primeiro ouvidor da polícia [Benedito Mariano, atual secretário municipal de Segurança Urbana de São Paulo] tinha uma estrutura mínima à luz da época dele. O segundo ouvidor [Fermino Fecchio], tinha uma outra, pior. Eu estou em uma situação intermediária.


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