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BARRACÃO DE ZINCO
Ouvidor-geral da Polícia de São Paulo reclama de falta de estrutura para fiscalizar 140 mil homens
"Saí de um cortiço para um puxadinho"
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
O ouvidor-geral da Polícia de
São Paulo, Itajiba Farias Ferreira
Cravo, completa dois terços de
seu primeiro mandato como fiscalizador do maior efetivo policial
do país em um local de trabalho
que ele mesmo descreve como
um "puxadinho".
Logo no começo do mandato de
dois anos -que pode ser prorrogado por mais dois- , em junho
de 2003, Cravo definiu as instalações da Ouvidoria como um "cortiço", mas tinha esperança de reverter o quadro.
A Ouvidoria se mudou do segundo para o quinto andar de um
prédio na rua Líbero Badaró, no
centro de São Paulo.
Essas mudanças, segundo o ouvidor-geral, só foram suficientes
para transformar o "cortiço" em
um "puxadinho".
No local destinado para fiscalizar o serviço de 140 mil policiais
militares e civis, faltou papel para
instalar procedimentos de investigação, o gasto dos telefones recebeu restrição da Secretaria da
Segurança Pública -pasta na
qual a Ouvidoria é ligada- , as
instalações hidráulicas, elétricas e
sanitárias estão precárias, segundo afirma o ouvidor-geral nesta
entrevista.
Folha - Um ano e quatro meses
atrás, quando assumiu o cargo, o
senhor falava que estava em um
cortiço. O senhor continua em um?
Itajiba Farias Ferreira Cravo -
Não. Eu recebi uma melhora
substancial no que diz respeito a
recursos humanos. Em todas as
minhas solicitações em preenchimento de cargos, eu fui atendido.
Agora, quanto às instalações, para
usar a linguagem do povo, saímos
do cortiço para um puxadinho.
Folha - Por que um puxadinho?
Cravo - Puxadinho é quando a
pessoa não tem dinheiro para fazer uma construção completa, ela
faz só a viga baldrame [viga de
concreto armado], ergue o mínimo necessário com concreto, a
fiação fica exposta, enfim, é uma
construção precária. É uma repartição que está absolutamente
incompatível. Principalmente em
relação à importância do órgão
que é a Ouvidoria. Ela recebeu representante da ONU, vários cônsules, gente de todo o mundo.
Folha - Um exemplo dessa falta
de estrutura?
Cravo - Eu te dou o exemplo de
água e café. Você quer um café?
Quer? Não tem. Não tem água. E o
único banheiro, que é para uso de
todos, uma porta está interditada
e a situação de higiene eu prefiro
não colocar um adjetivo.
Folha - O antecessor do senhor falava em boicote da Secretaria da
Segurança Pública. O senhor também acredita nisso?
Cravo - Não. Essa é sempre uma
colocação dramática. Primeiro,
que o meu interlocutor direto é o
secretário adjunto [da Segurança
Pública, Marcelo Martins de Oliveira], que por várias vezes marcou para verificar essa situação e,
pelos compromissos que assumiu, não veio. O contato operacional é por parte do chefe de gabinete da secretaria, Luiz Hélio da
Silva Franco. Para mim, parece
muito mais uma questão de falta
de competência para operar a coisa pública.
Folha - Mas ele não representa a
secretaria?
Cravo - Eu não posso tirar do secretário [Saulo de Castro Abreu
Filho] a competência de delegar o
poder, é a autoridade dele. Mas
desse chefe de gabinete, eu só tive,
no máximo, uma correspondência muito mal educada.
Folha - O senhor falou da imagem
da Ouvidoria. No que isso prejudica
o trabalho do dia-a-dia?
Cravo -O filósofo alemão Walter
Benjamim já falava que o poder é
a aparência. Uma parte do poder
já é a aparência. Então, se você está num lugar visivelmente deteriorado, que o carpete está carcomido, que as instalações estão
precárias, isso mitiga de uma parte o poder de um ouvidor-geral de
polícia. No final, isso não termina
interferindo obrigatoriamente na
independência. Mas poder também é aparência. Um problema
de eu precisar me impor mais por
conta da questão da aparência.
Folha - É um ambiente insalubre?
Cravo - No caso das instalações
sanitárias, é um caso precária, o
que tem de barata. Aqui o que se
tem é um ambiente absolutamente incompatível com a atividade
do ouvidor-geral. Aquele que
controla o serviço de 140 mil homens- 90 mil da Polícia Militar e
42 mil da Polícia Civil. Há um descompasso entre o poder de fato e
o lugar onde ele [o ouvidor] vem
trabalhar.
Folha - E material de manutenção
da Ouvidoria?
Cravo -Já tivemos problemas
com folha de papel. Da Ouvidoria
ter ficado quase dois meses sem
folha de papel timbrado para fazer todos os procedimentos. O
consumo é grande.
Folha - Qual foi a justificativa da
secretaria?
Cravo - Eu sei que esses assuntos,
no que concerne a material, estão
ligados ao chefe de gabinete. Eu
não posso desautorizar o secretário, agora o que eu tenho de fazer
é me desdobrar como isso fosse
um pedido, um favor.
Folha - Mas qual foi a justificativa
oficial?
Cravo - Eu fiz uma série de ofícios, só depois eu consegui falar
com o secretário adjunto. Ele chamou o chefe de gabinete, e surpreendentemente, o assunto se
resolveu em menos de 48 horas.
Folha - Falava-se na mudança de
prédio.
Cravo - Essa questão está lá [na
secretaria], mas, por enquanto, eu
estou às cegas. De novo, estou
sem informação.
Folha - E o restante dos custos?
Cravo - Eu recebi uma correspondência deselegante, para dizer
o mínimo, insinuando que o uso
do telefone não estaria sendo feito
no exercício regular das funções.
Aí eu fiz lembrar que só existem
duas linhas livres na Ouvidoria
-a conta mais alta, se não me engano, ultrapassou R$ 3 mil- para
servidor o ouvidor-geral, um delegado de primeira classe e um tenente-coronel. A advertência era
indevida e mal-educada, formalizada em um ofício que deselegante é pouco para classificar.
Folha - Seria uma reação ao trabalho da Ouvidoria?
Cravo -Não. Eu acho que isso é
tentar trazer o assunto sob o ponto de vista político-partidário, que
eu entendo que não seja o foco da
questão. Posso dizer que a Ouvidoria pode estar no plano de avaliação como uma questão secundária, terciária.
Folha - A perspectiva de melhora
é uma incógnita?
Cravo - Tudo que diz respeito à
ligação administrativa com a secretaria, para mim, é uma incógnita. Porque o interlocutor que foi
delegado não me dá resposta. Isso
é categórico. Não me dá resposta.
Folha - Se a ordem fosse valorizar
a Ouvidoria, isso iria ocorrer?
Cravo - Pode ser. Eu não acredito
que seja uma questão de ordem
ou falta de ordem. É uma questão
de eleição de prioridade numa secretaria que tem como fonte principal o combate ao crime. Aí eu
não sei o grau de importância.
Folha - Nesses 15 meses, o que o
senhor conseguiu e não conseguiu
no cargo de ouvidor?
Cravo - A Ouvidoria, queiram ou
não, evolui e cresce enquanto espaço de conquista democrática. O
ano que vem ela completa dez
anos e ela está crescendo sob o
ponto de vista de prestígio, como
fonte de referência. A Ouvidoria
da Polícia melhorou especialmente no caráter de prover seus respectivos cargos. O que eu não
consegui foram as condições de
uma estrutura digna, à altura do
que é uma Ouvidoria Geral de Polícia como a do Estado de São
Paulo.
Folha - Os antecessores do senhor
tiveram essa estrutura?
Cravo -Olha, o primeiro ouvidor
da polícia [Benedito Mariano,
atual secretário municipal de Segurança Urbana de São Paulo] tinha uma estrutura mínima à luz
da época dele. O segundo ouvidor
[Fermino Fecchio], tinha uma outra, pior. Eu estou em uma situação intermediária.
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