São Paulo, quarta-feira, 17 de outubro de 2007

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Padre diz que pagou os R$ 50 mil por "constrangimento"

Júlio Lancelotti contou que conheceu o acusado, Anderson Batista, então interno da Febem, há cerca de sete anos

O religioso disse que sofreu ameaças, inclusive de ser falsamente acusado de envolvimento com uma criança de oito anos

DA REPORTAGEM LOCAL

O padre Júlio Lancelotti afirma que pagou cerca de R$ 50 mil em três anos porque acreditava que as pessoas que o extorquiam poderiam mudar. "Eu confiei muito que eles tivessem uma mudança. Que eu fosse capaz de atingir o coração deles, que eu fosse capaz de fazê-los entender", afirmou.

 

FOLHA - Como o sr. conheceu o Anderson Batista [acusado de liderar a extorsão]?
PADRE JÚLIO LANCELOTTI
- Ele estava trancafiado em uma cela.

FOLHA - Quanto tempo faz isso?
PADRE JÚLIO
- Faz muito tempo. Eu acho que já faz uns sete anos isso. Quando saiu, ele me procurou. Disse que estava sem onde morar, sem trabalho.

FOLHA - Que tipo de ajuda ele pediu na época?
PADRE JÚLIO
- Nós conseguimos que ele arranjasse um lugar para morar. Nós ajudamos no aluguel. Depois, ele foi incluído em uma frente de trabalho da prefeitura.

FOLHA - Em que momento a extorsão começou?
PADRE JÚLIO
- Ele queria ter uma bicicleta. Da bicicleta foi para a moto, da moto foi para o carro. Alguma coisa que vai ficando incontrolável. Sempre dizia a ele: você não tem limite.

FOLHA - Em que momento surgiram as ameaças?
PADRE JÚLIO
- Nos últimos três anos. Aí as coisas começaram a ficar mais tensas, mais difíceis. Mesmo a relação dele com a companheira.

FOLHA - Como eram as ameaças?
PADRE JÚLIO
- Ele dizia: "Eu vou resolver do meu jeito". Nesse caminho ele teve um homicídio, ele matou uma pessoa. Esse inquérito foi arquivado porque ele alegou legítima defesa.

FOLHA - Mas ele usava isso para amedrontar o sr.?
PADRE JÚLIO
- E dizia: "Eu sou capaz". Algumas vezes, ele me procurou embriagado. Um dia ele veio aqui e tentou entrar com o carro na porta. Eu dizia que não tinha aquele valor, que tinha de esperar. Às vezes, eu conseguia só uma parte.

FOLHA - Começou com quanto?
PADRE JÚLIO
- Com R$ 300, R$ 500. E acabou com R$ 10 mil, R$ 20 mil, R$ 40 mil.

FOLHA - De onde o sr. tirava o dinheiro?
PADRE JÚLIO
- De economias. De empréstimos com amigos. Mas não era de uma vez só. Eu esgotei tudo que eu tinha.

FOLHA - O sr. chegou a fazer empréstimos?
PADRE JÚLIO
- Eu não gostaria de dizer de quem. Com amigos. Consegui com duas pessoas amigas R$ 5.000.

FOLHA - E a Pajero?
PADRE JÚLIO
- Ele comprou e eu fiquei como fiador. E fui ajudando ele a pagar.

FOLHA - O sr. pagava a prestação?
PADRE JÚLIO
- Sim. Pessoalmente. Ainda falta um tanto.

FOLHA - O sr. pagou por medo?
PADRE JÚLIO
- Acho que sim. Por constrangimento. No fundo, existia uma esperança de que ele mudasse.

FOLHA - Mas, mesmo assim padre, não era para comprar uma Pajero, um carro de luxo?
PADRE JÚLIO
- Mas não era só isso. Dizia de outras coisas. Que iria comprar um terreno, uma máquina de fazer fraldas.

FOLHA - Mas o sr. não pensou que um carro desse, de luxo, não era um pouco demais?
PADRE JÚLIO
- Sim, claro, achei que era um pouco demais. Eu fiz argumentos nesse sentido. Foi depois que ele perdeu um filho. Disse que estava sofrendo muito e, se tivesse isso [o carro], iria acertar a vida dele.

FOLHA - Em uma das conversas gravadas, a Conceição diz que o denunciaria por causa do filho dela.
PADRE JÚLIO
- Do filho dela de oito anos. Ela tem uma vasta folha de passagem na polícia. Na gravação, eu digo: que coisa horrível, vocês vão usar o próprio filho. Vão ensinar a criança a mentir. Essa questão do filho era pontual. Eles não usaram isso sempre. A questão principal era o constrangimento.

FOLHA - O sr. se dedicou a outras pessoas como ao Anderson?
PADRE JÚLIO
- A gente tem uma ajuda estabelecida. Ele fugiu disso.

FOLHA - O que seria uma ajuda normal?
PADRE JÚLIO
- Uma ajuda para moradia, dois ou três meses. Conseguir auxílio para conseguir um vestuário, um sapato, para completar um aluguel.

FOLHA - Mas o sr. se perdeu um pouco nessa ajuda excessiva?
PADRE JÚLIO
- Eu confiei muito que eles tivessem uma mudança. Que eu fosse capaz de atingir o coração deles, que eu fosse capaz de fazê-los entender.


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