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Padre diz que pagou os R$ 50 mil por "constrangimento"
Júlio Lancelotti contou que conheceu o acusado, Anderson Batista, então interno da Febem, há cerca de sete anos
O religioso disse que sofreu ameaças, inclusive de ser falsamente acusado
de envolvimento com
uma criança de oito anos
DA REPORTAGEM LOCAL
O padre Júlio Lancelotti afirma que pagou cerca de R$ 50
mil em três anos porque acreditava que as pessoas que o extorquiam poderiam mudar.
"Eu confiei muito que eles tivessem uma mudança. Que eu
fosse capaz de atingir o coração
deles, que eu fosse capaz de fazê-los entender", afirmou.
FOLHA - Como o sr. conheceu o Anderson Batista [acusado de liderar a
extorsão]?
PADRE JÚLIO LANCELOTTI - Ele estava trancafiado em uma cela.
FOLHA - Quanto tempo faz isso?
PADRE JÚLIO - Faz muito tempo.
Eu acho que já faz uns sete anos
isso. Quando saiu, ele me procurou. Disse que estava sem
onde morar, sem trabalho.
FOLHA - Que tipo de ajuda ele pediu na época?
PADRE JÚLIO - Nós conseguimos
que ele arranjasse um lugar para morar. Nós ajudamos no aluguel. Depois, ele foi incluído em
uma frente de trabalho da prefeitura.
FOLHA - Em que momento a extorsão começou?
PADRE JÚLIO - Ele queria ter uma
bicicleta. Da bicicleta foi para a
moto, da moto foi para o carro.
Alguma coisa que vai ficando
incontrolável. Sempre dizia a
ele: você não tem limite.
FOLHA - Em que momento surgiram as ameaças?
PADRE JÚLIO - Nos últimos três
anos. Aí as coisas começaram a
ficar mais tensas, mais difíceis.
Mesmo a relação dele com a
companheira.
FOLHA - Como eram as ameaças?
PADRE JÚLIO - Ele dizia: "Eu vou
resolver do meu jeito". Nesse
caminho ele teve um homicídio, ele matou uma pessoa. Esse inquérito foi arquivado porque ele alegou legítima defesa.
FOLHA - Mas ele usava isso para
amedrontar o sr.?
PADRE JÚLIO - E dizia: "Eu sou
capaz". Algumas vezes, ele me
procurou embriagado. Um dia
ele veio aqui e tentou entrar
com o carro na porta. Eu dizia
que não tinha aquele valor, que
tinha de esperar. Às vezes, eu
conseguia só uma parte.
FOLHA - Começou com quanto?
PADRE JÚLIO - Com R$ 300, R$
500. E acabou com R$ 10 mil,
R$ 20 mil, R$ 40 mil.
FOLHA - De onde o sr. tirava o dinheiro?
PADRE JÚLIO - De economias. De
empréstimos com amigos. Mas
não era de uma vez só. Eu esgotei tudo que eu tinha.
FOLHA - O sr. chegou a fazer empréstimos?
PADRE JÚLIO - Eu não gostaria de
dizer de quem. Com amigos.
Consegui com duas pessoas
amigas R$ 5.000.
FOLHA - E a Pajero?
PADRE JÚLIO - Ele comprou e eu
fiquei como fiador. E fui ajudando ele a pagar.
FOLHA - O sr. pagava a prestação?
PADRE JÚLIO - Sim. Pessoalmente.
Ainda falta um tanto.
FOLHA - O sr. pagou por medo?
PADRE JÚLIO - Acho que sim. Por
constrangimento. No fundo,
existia uma esperança de que
ele mudasse.
FOLHA - Mas, mesmo assim padre,
não era para comprar uma Pajero,
um carro de luxo?
PADRE JÚLIO - Mas não era só isso. Dizia de outras coisas. Que
iria comprar um terreno, uma
máquina de fazer fraldas.
FOLHA - Mas o sr. não pensou que
um carro desse, de luxo, não era um
pouco demais?
PADRE JÚLIO - Sim, claro, achei
que era um pouco demais. Eu
fiz argumentos nesse sentido.
Foi depois que ele perdeu um
filho. Disse que estava sofrendo
muito e, se tivesse isso [o carro], iria acertar a vida dele.
FOLHA - Em uma das conversas
gravadas, a Conceição diz que o denunciaria por causa do filho dela.
PADRE JÚLIO - Do filho dela de oito anos. Ela tem uma vasta folha de passagem na polícia. Na
gravação, eu digo: que coisa
horrível, vocês vão usar o próprio filho. Vão ensinar a criança
a mentir. Essa questão do filho
era pontual. Eles não usaram
isso sempre. A questão principal era o constrangimento.
FOLHA - O sr. se dedicou a outras
pessoas como ao Anderson?
PADRE JÚLIO - A gente tem uma
ajuda estabelecida. Ele fugiu
disso.
FOLHA - O que seria uma ajuda
normal?
PADRE JÚLIO - Uma ajuda para
moradia, dois ou três meses.
Conseguir auxílio para conseguir um vestuário, um sapato,
para completar um aluguel.
FOLHA - Mas o sr. se perdeu um
pouco nessa ajuda excessiva?
PADRE JÚLIO - Eu confiei muito
que eles tivessem uma mudança. Que eu fosse capaz de atingir o coração deles, que eu fosse
capaz de fazê-los entender.
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