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MOACYR SCLIAR
A bordo dos nossos sonhos
Solteiros a bordo: divorciados, viúvos
e desacompanhados em geral procuram empresas que oferecem turismo
para animar a vida social dos solteiros. Folha Equilíbrio, 13.nov.2003
Solteiro ele já era há muito
tempo; na verdade, poderia
facilmente ser classificado como
solteirão. No passado pouco se
importara com esse tipo de rótulos ("O importante é gozar a vida"); mas agora, que estava chegando à meia-idade e começava a
sentir o peso dos anos, via as coisas de modo diferente. A solidão o
preocupava; quem cuidará de
mim quando eu ficar velho?, era
uma pergunta que lhe ocorria
constantemente.
Foi então que ouviu falar de um
cruzeiro marítimo para solteiros,
descasados e viúvos. De imediato
ficou entusiasmado. Em primeiro
lugar, porque nunca viajara de
navio; depois, por causa da oportunidade. Poderia encontrar ali
uma mulher sozinha, bonita e ah,
sim, rica. Porque ele era um homem de meios modestos e, embora não pensasse em coisas tipo
golpe do baú, não ficaria triste se
de repente o destino lhe presenteasse com uma fortuna devidamente associada ao amor.
Foi até a agência de viagens.
Havia diversos tipos de pacote para o cruzeiro, dependendo da duração e da qualidade das acomodações. Ele escolheu o mais barato; afinal, tratava-se de uma
aposta e não era de arriscar muito. No dia seguinte lá estava ele.
Não ficou decepcionado. O navio
era imenso, e luxuoso. E muita
gente participava no cruzeiro, homens e mulheres.
Mas as coisas não saíram bem
como esperava. Tão logo o navio
partiu ele caiu de cama. O médico
de bordo disse que não era nada
sério, uma simples gripe, mas recomendou que repousasse. Assim,
enquanto os outros se divertiam
na piscina, nas quadras de esporte, nos salões de dança, no restaurante, ele estava lá, deitado em
sua cabine, lendo velhas revistas.
Finalmente, melhorou um pouco
e pôde sair.
Era uma noite de luar glorioso.
Ele ficou olhando o mar, muito
tranquilo. De repente percebeu
que havia alguém a seu lado.
Uma mulher, já de meia idade como ele, mas muito bonita. Elegantíssima, com um belo vestido e
coberta de jóias. Começaram a
conversar e logo estavam trocando confidências. Ela disse que era
viúva, que há muito tempo não
tinha contato com homens e que
viera para o cruzeiro disposta a
viver a grande aventura de sua
vida. Talvez com você, disse, piscando o olho.
Fizeram amor ali mesmo, numa daquelas cadeiras preguiçosas que sempre são associadas a
cruzeiros marítimos. Cansado
(afinal, ainda estava convalescendo), acabou adormecendo.
Quando acordou, o dia clareando, estava sozinho.
Passou os dois dias que se seguiram procurando a linda e misteriosa mulher. Não a via em lugar
algum. Perguntou ao pessoal
de bordo; ninguém sabia lhe informar, e até o olhavam de maneira estranha. Acabou desistindo da investigação.
De alguma maneira ele viveu
um sonho. E, de alguma maneira
está satisfeito. Mesmo porque não
adianta reclamar. O pacote econômico por ele adquirido certamente não incluiria visões arrebatadoras.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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