|
Próximo Texto | Índice
Laudo põe controle de tráfego sob suspeita
Relatório preliminar sobre o maior acidente aéreo do Brasil, com 154 mortos, não é conclusivo nem aponta culpados
O Legacy sumiu da tela de
radar às 16h02, mas só
começou a ser contatado
por rádio às 16h26, quase
meia hora antes do choque
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O relatório preliminar sobre
o maior acidente aéreo da história do Brasil, que matou 154
pessoas em 29 de setembro,
reafirmou as dúvidas sobre o
comportamento do Legacy que
derrubou um Boeing da Gol,
mas agravou as suspeitas sobre
o controle do espaço aéreo. O
texto não é conclusivo nem
aponta culpados.
O Legacy falou uma vez com
Brasília às 15h51 e, apesar de
sua identificação ter sumido da
tela de radar às 16h02, ele só começou a ser contatado por rádio às 16h26, quase meia hora
antes do choque. E, das 28 tentativas de contato, 7 delas feitas
pelo controle e 21 pelo Legacy,
apenas uma foi parcialmente
bem-sucedida -mas não o suficiente para evitar a tragédia.
A questão, que só o interrogatório dos controladores de
vôo em Brasília, Manaus e São
José dos Campos (de onde o
Legacy partiu) pode esclarecer,
é por que o Cindacta-1 (controle em Brasília) passou tanto
tempo sem se comunicar com
um avião que não estava identificado no radar secundário.
Esse radar indica altitude,
velocidade e identificação de
um avião, dados transmitidos
pelo transponder, uma espécie
de antena. O transponder do
Legacy estava inoperante, e isso também evitou que seu sistema anticolisão "conversasse"
com o do Boeing.
Controladores ouvidos pela
Folha já relataram que pode
ter havido um erro do operador, já que o computador mantém automaticamente, ao lado
do nível real, o nível projetado
pelo plano de vôo inserido no
sistema. No caso, o Legacy deveria ter baixado para 36 mil
pés (10,9 km) em Brasília e subido, pouco antes do choque,
para 38 mil pés (11,5 km). Isso
nunca ocorreu -um dos motivos objetivos para o acidente, já
que os dois aviões estavam nos
mesmos 37 mil pés (11,2 km).
Sobre os contatos fracassados, a suspeita a se deduzir do
relatório, que não traz conclusões, recai sobre as freqüências
de rádio de má qualidade sobre
a região amazônica.
Houve as 27 tentativas frustradas de contato entre os pilotos norte-americanos Joe Lepore e Jan Paladino e o Cindacta de Brasília antes do choque.
Depois, mais 9 tentativas do
Legacy para Brasília, sem sucesso, e 5 do Cindacta de Manaus para o Legacy, igualmente
fracassadas. O Legacy não tentou falar com Manaus.
Apesar da aparente tranqüilidade, pois em depoimentos os
pilotos americanos disseram
que consideravam-se autorizados a ir na altitude de 37 mil pés
de São José dos Campos até
Manaus, algo mudou às
16h48min16s.
Mesmo sem terem sido alertados por Brasília, os pilotos
tentaram a partir daí falar por
13 vezes com o controle. Silêncio. Mas às 16h53min39s, um
sinal fraco enviado às cegas
(sem certeza de possibilidade
de recepção) foi ouvido no rádio, com Brasília pedindo que
eles entrassem em contato com
Manaus e passando freqüências de comunicação.
O contato disparou uma tentativa frenética do Legacy em
se comunicar de novo com Brasília, porque os pilotos não conseguiram anotar as freqüências
para falar com Manaus. Foram
8 ligações fracassadas em quase
3 minutos -a última, a um segundo do choque com o Boeing.
Aí entra outra dúvida. Por
que Brasília não avisou Manaus
para que desse um alerta de
mudança de rota ao Boeing?
"Estamos analisando, e tudo isso só será respondido com o depoimento dos controladores",
disse o coronel Rufino Ferreira,
que preside a investigação.
O relatório não lista comunicações entre Manaus e o
Boeing, uma falha que Ferreira
diz ser menor, mas que irá corrigir. O Legacy só conseguiu
três contatos bem-sucedidos
na viagem: ao decolar, com Brasília às 15h51 e, ao pedir ajuda
para um cargueiro após o choque, quando pousou na Base da
Serra do Cachimbo.
O relatório não é conclusivo,
até porque as investigações estão previstas para acabar em julho de 2007. "Essa investigação
visa apenas indicar recomendações para evitar acidentes semelhantes. Responsabilidades,
culpas, são assunto da polícia e
do Ministério Público", diz
Ferreira. Investigação da Polícia Federal está em curso.
Sem querer analisar o comportamento dos pilotos, o coronel, que apresentou o relatório
às famílias das vítimas, disse
que há uma diferença entre o
plano de vôo, "que é a proposta
que o piloto faz", e o "plano em
vigor", que "sofre influências
daquilo que vai acontecendo
durante o vôo, e é isso que precisa ser analisado".
Próximo Texto: Barbara Gancia: Admirável mundo novo? Índice
|