São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Esses incríveis pobres ricos


Muitas das cidades no Brasil com alta renda per capita apresentam graves problemas em suas redes de ensino

NA PRÓXIMA terça-feira, o Ministério da Educação vai divulgar um estudo intitulado "O Direito de Aprender", realizado em parceria com o Unicef, revelando como algumas escolas públicas brasileiras, apesar de localizadas em bairros pobres e violentos, conseguem, sem nenhum recurso governamental extra, obter um desempenho dos alunos muito acima da média nacional.
É uma espécie de mapa da mina que leva à descoberta de como formar profissionais mais aptos a obter um emprego. Ensina-se, assim, a transformar pobreza em riqueza.
O estarrecedor caminho inverso -a transformação de riqueza em pobreza- foi apresentado na semana passada, comprovando um dos melhores ditados que conheço: se você acha que a educação custa caro, veja por quanto sai a ignorância.

 

São Francisco do Conde, na Bahia, foi apontado, em pesquisa do IBGE, divulgada na quinta-feira, como o município campeão de renda per capita, que é 33 vezes maior do que a média brasileira. Colocando em números: R$ 315 mil ante R$ 9.000. A cidade tem uma pequena população (29.383 moradores) e abriga uma importante refinaria.
O que causa perplexidade não é essa disparidade, mas o fato de que lá os indicadores sociais são péssimos. Basta ver que a imensa maioria de suas famílias vive de favores oficiais como o Bolsa Família.
Não é um caso isolado.
 

Neste ano, acompanhei uma experiência da Vale do Rio Doce nas regiões em que ela desenvolve seus milionários negócios. A empresa estava com dificuldade de contratar mão-de-obra local, especialmente para os cargos técnicos, cujos salários são mais altos. Tinha de importar profissionais de outras cidades para ocupar as melhores vagas.
Promoveram-se reuniões com universidades, escolas técnicas, secretários da Educação, prefeitos e lideranças comunitárias para informá-los sobre quais eram os empregos disponíveis -a partir daí, estimularam-se cursos especificamente voltados a formar profissionais para preencher essas vagas. No Maranhão, onde a Vale tem importante presença, não existe sequer formação para engenheiro de mineração.
Aqui aparece um dos grandes absurdos brasileiros: muito desemprego e, ao mesmo tempo, muitas vagas sem gente para preenchê-las.
 

Os campeões de renda per capita exibem, com nitidez, esse absurdo. São cidades que vivem em função do petróleo -muitas delas no litoral fluminense, em que os cargos mais graduados são ocupados por gente de fora, diminuindo a chance de melhor distribuição de renda. É o caso de Quissamã, com sua renda por habitante de R$ 231 mil, mas que está abaixo de 2.744 cidades no Índice de Desenvolvimento Humano.
Muitas dessas cidades que lideram a lista do IBGE ganham invejáveis impostos, mas, se olharmos seus testes de matemática e português, detectados pela Prova Brasil, veremos enormes carências educacionais. Não é culpa isolada deste ou daquele governo. Faz parte da nossa crônica de irresponsabilidade pública e da escassa escolaridade da sociedade -aliás, isso ajudar a explicar a desfaçatez dos parlamentares que, na semana passada, dobraram seus salários, gerando o risco de um efeito em cascata.
A cidade de São Paulo aparece, entre as capitais, em quarto lugar na lista da renda, mas perde, de longe, no quesito educacional. Na lista da Prova Brasil, São Paulo por muito pouco não está em último lugar entre as capitais. Tal fato, inaceitável em qualquer cidade civilizada, não gera comoção pública. Quanto mais pobre a família, como mostrou o Ibope em recente pesquisa, menor a preocupação com a qualidade do ensino. Os mais ricos pagam mensalidade; portanto, não é um problema que sintam na pele.
 

Assim entendemos um fenômeno nacional, detectado pelo relatório do Unicef divulgado na segunda, no qual mostra-se, entre outros, indicadores de mortalidade infantil. São mortes facilmente evitáveis e que dependem da escolaridade da mãe -e aqui se discute o elementar direito de nascer. Entre os 21 países da América Latina, o Brasil está em 15º -perde até mesmo para El Salvador, cuja renda per capita é bem menor do que a nossa. Perde de longe para Chile, Costa Rica e Argentina.
É aí vemos o custo da ignorância tão bem simbolizado por São Francisco do Conde.
 

PS - O relatório a ser divulgado pelo Ministério da Educação na próxima terça-feira deveria ser leitura obrigatória para qualquer indivíduo (a começar dos programas de formação de professores) preocupados não só com a inclusão mas com as bases de um crescimento econômico sustentável. Os fatos mostram que o compromisso público mesclado com boa gestão de recursos públicos, a partir do envolvimento comunitário, é a chave do desenvolvimento social. Vê-se, por exemplo, o efeito do simples ato de o professor acreditar no seu aluno.


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