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São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Artes e exigências do "presidenciar"

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O verbo certo é presidir, indicando a ação ou o exercício das funções do presidente, com o objetivo de orientar, coordenar e dirigir as ações coletivas de empresa, órgão ou país presidido. Inventei, porém, "presidenciar" para o conjunto das atividades exigidas do presidente da República, porque no sistema constitucional brasileiro elas vão além da atividade funcional, administrativa, ante a especial simbologia da chefia do Poder Executivo. No Brasil, o presidente da República é a representação humana do país, desde o tornar perceptível a manifestação interna e externa do poder até dar realidade, demonstrar concretamente que a Nação existe e atua.
A missão que nós, eleitores, demos ao presidente Lula da Silva, tenhamos ou não votado nele, exige esse enquadramento, que transcende os 27 incisos do artigo 84 da Carta Magna, onde estão indicadas as competências privativas do presidente. Os incisos põem, em cada ato mencionado, a força de operação da máquina federal, de suas relações internas, da interação com Estados e municípios autônomos por definição constitucional e nas relações externas, com outras nações.
O presidente interfere no equilíbrio entre as correntes políticas, no desgaste dos interesses conflitantes, na atenção à participação possível dos operadores do direito, dentro e fora do Brasil. Mesmo no turbilhão das pressões contrárias, nacionais e transnacionais, cabe-lhe manter noção muito clara do rumo essencial que o país percorrerá durante seu mandato.
O presidente Lula exerce, na qualidade de servidor público nš 1, a direção superior da administração federal. Em certos casos, iniciará o processo legislativo ou o impulsionará diretamente, através de medidas provisórias como fez no primeiro dia de gestão. Manterá relações com nações estrangeiras, dando exemplo disso em face da Venezuela e do Equador, nestes dias de janeiro. Dialogará com elas na dupla visão dos interesses que as estimulam e, sobretudo, dos interesses nacionais envolvidos, cotejando nossos preconceitos e necessidades com os preconceitos e necessidades dos outros.
Apesar da pluralidade de funções específicas, o simbolismo da presidência excede, por exemplo, a obrigação de remeter mensagem e plano qüinqüenal de governo ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa (não antes e nem depois), expondo a situação do país e solicitando as medidas necessárias. Cada palavra da mensagem é verificada, sopesada, cotejada com outras palavras escritas ou proferidas, para decodificar a intenção do presidente, porque não é apenas o conjunto de seus vocábulos. Em cada pronunciamento, o simbolismo da presidência exige que seja explícito, objetivo, fundamentado, orientador, informativo. Vai fundo na busca dos valores subjetivos que a inspiram.
As limitações do artigo 84, no inciso 14 (dependência da aprovação do Senado para certos atos, por exemplo), não diminuem o simbolismo, bastando ver os efeitos dos artigos 102 e 103 que submetem a constitucionalidade dos atos governamentais à apreciação final e definitiva do Supremo Tribunal Federal, sob pena de incidir em punições por crimes de responsabilidade (artigos 85 e 86).
O presidente Lula da Silva acentua, mais do que qualquer dos seus antecessores, a simbologia da presidência. Presidência que está exercendo com uma visão quase messiânica do dever de acertar. O símbolo final de sua presidência será a média ponderada do cumprimento dos deveres previstos na Constituição, que só a história definirá, fria, metódica e cientificamente.


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