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LETRAS JURÍDICAS
Artes e exigências do "presidenciar"
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O verbo certo é presidir,
indicando a ação ou o
exercício das funções do presidente, com o objetivo de orientar,
coordenar e dirigir as ações coletivas de empresa, órgão ou país
presidido. Inventei, porém, "presidenciar" para o conjunto das
atividades exigidas do presidente
da República, porque no sistema
constitucional brasileiro elas vão
além da atividade funcional, administrativa, ante a especial simbologia da chefia do Poder Executivo. No Brasil, o presidente da
República é a representação humana do país, desde o tornar perceptível a manifestação interna e
externa do poder até dar realidade, demonstrar concretamente
que a Nação existe e atua.
A missão que nós, eleitores, demos ao presidente Lula da Silva,
tenhamos ou não votado nele,
exige esse enquadramento, que
transcende os 27 incisos do artigo
84 da Carta Magna, onde estão
indicadas as competências privativas do presidente. Os incisos
põem, em cada ato mencionado,
a força de operação da máquina
federal, de suas relações internas,
da interação com Estados e municípios autônomos por definição
constitucional e nas relações externas, com outras nações.
O presidente interfere no equilíbrio entre as correntes políticas,
no desgaste dos interesses conflitantes, na atenção à participação
possível dos operadores do direito, dentro e fora do Brasil. Mesmo
no turbilhão das pressões contrárias, nacionais e transnacionais,
cabe-lhe manter noção muito clara do rumo essencial que o país
percorrerá durante seu mandato.
O presidente Lula exerce, na
qualidade de servidor público nš
1, a direção superior da administração federal. Em certos casos,
iniciará o processo legislativo ou o
impulsionará diretamente, através de medidas provisórias como
fez no primeiro dia de gestão.
Manterá relações com nações estrangeiras, dando exemplo disso
em face da Venezuela e do Equador, nestes dias de janeiro. Dialogará com elas na dupla visão dos
interesses que as estimulam e, sobretudo, dos interesses nacionais
envolvidos, cotejando nossos preconceitos e necessidades com os
preconceitos e necessidades dos
outros.
Apesar da pluralidade de funções específicas, o simbolismo da
presidência excede, por exemplo,
a obrigação de remeter mensagem e plano qüinqüenal de governo ao Congresso Nacional, por
ocasião da abertura da sessão legislativa (não antes e nem depois), expondo a situação do país
e solicitando as medidas necessárias. Cada palavra da mensagem
é verificada, sopesada, cotejada
com outras palavras escritas ou
proferidas, para decodificar a intenção do presidente, porque não
é apenas o conjunto de seus vocábulos. Em cada pronunciamento,
o simbolismo da presidência exige que seja explícito, objetivo,
fundamentado, orientador, informativo. Vai fundo na busca dos
valores subjetivos que a inspiram.
As limitações do artigo 84, no
inciso 14 (dependência da aprovação do Senado para certos atos,
por exemplo), não diminuem o
simbolismo, bastando ver os efeitos dos artigos 102 e 103 que submetem a constitucionalidade dos
atos governamentais à apreciação final e definitiva do Supremo
Tribunal Federal, sob pena de incidir em punições por crimes de
responsabilidade (artigos 85 e
86).
O presidente Lula da Silva
acentua, mais do que qualquer
dos seus antecessores, a simbologia da presidência. Presidência
que está exercendo com uma visão quase messiânica do dever de
acertar. O símbolo final de sua
presidência será a média ponderada do cumprimento dos deveres
previstos na Constituição, que só
a história definirá, fria, metódica
e cientificamente.
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