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São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 2003

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Resgatado com vida, Felipe morre no hospital

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Depois de passar mais de 15 horas sob a terra e de suportar dois soterramentos, o menino Felipe Caldeira dos Santos, 10, não resistiu aos ferimentos e morreu na madrugada de ontem no Hospital João 23, em Belo Horizonte. O garoto tornou-se símbolo das vítimas das chuvas.
No hospital, Felipe ainda estava lúcido e chegou a conversar com os médicos, parentes e com o vice-presidente José Alencar, ainda em exercício da Presidência da República, que foi visitá-lo com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Os exames mostraram, no entanto, que ele apresentava problemas sérios de circulação abaixo do joelho.
Felipe foi submetido a uma cirurgia para desobstrução da circulação sanguínea, mas não resistiu e morreu devido à hipotermia (baixa temperatura corporal).
"Eu ainda o vi vivo. Ele estava bem, conversava com a gente. Reclamava apenas de fome", disse o pai do garoto, o lavador de carros Antônio José Laurêncio, 37.
Além de Felipe, morreram seus cinco irmãos e três primos, que também dormiam no mesmo barraco. Ao todo, nove crianças e adolescentes da mesma família.
Laurêncio chegou ao velório dos filhos e sobrinhos por volta das 21h de ontem. Ele e a mulher, Valdezita Caldeira dos Santos, foram encaminhados anteontem para o Hotel Guarani, no centro de Belo Horizonte. O casal salvou poucos pertences, entre os objetos, uma sacola com documentos.
"Não vou despencar. Se Deus quiser, vou aguentar firme, com a ajuda e força dos meus amigos. Não volto mais para lá [Morro das Pedras". Agora é uma nova batalha para construir outra casa", disse o lavador de carros.
Valdezita afirmou que não consegue tirar "da cabeça" a imagem de uma das filhas pedindo socorro no momento em que estava sendo soterrada.

Cobra
Um dos primos de Felipe e irmão de outras três vítimas, Kennedy dos Santos Ferreira, 10, só conseguiu se salvar porque, um dia antes da tragédia, pediu para dormir na casa de uma vizinha.
"A casa estava muito cheia de rachaduras. Tinha uma cobra venenosa atrás da casa", disse o menino, que teria sentido medo de o animal invadir a residência.
Na noite da tragédia, ele acordou a tempo de ver pela janela a destruição deixada pelo deslizamento de terra. "A casa estava toda lá no beco, desmontada, toda estragada, não sobrou nada."
Tia de Felipe e mãe de três das vítimas, Déia dos Santos Ferreira estava presa em uma delegacia da capital mineira, havia 15 dias, por furto de toalhas de mesa.
Ela foi liberada para reconhecer os corpos e reencontrar o único filho sobrevivente. "Estou alegre e, ao mesmo tempo, triste. Alegre por estar com um filho e triste por ter perdido os outros três."
Ela diz que o furto foi um ato de desespero. Ela queria vender as toalhas de mesa para sustentar os quatro filhos que criava sozinha.


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