São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

Concursos (bons e maus exemplos)


O que se avalia com a exigência do conhecimento da forma "muçarela" ou do feminino de "peixe-boi"?


É CADA VEZ mais intensa a disputa por um posto no serviço público, qualquer que seja o cargo oferecido. Dada a nossa realidade, devem-se incluir no rol desses postos públicos as vagas nas universidades federais ou estaduais.
A consecução (sim, consecução, ato de conseguir) de um desses postos exige a participação em um concurso em que, por via de regra, a prova de português tem peso máximo. E nessas provas de português há de tudo: desde perguntas pertinentes até fanfarrices, como a grafia de "muçarela" ou o feminino de "peixe-boi".
Já sei, já sei. Não posso continuar sem explicar os casos que acabo de citar. A grafia de "muçarela" foi objeto de uma questão de um concurso feito numa cidade do Estado de São Paulo. O "Aurélio" e o "Houaiss" registram "muçarela" e "mozarela"; o "Vocabulário Ortográfico" registra uma terceira opção ("muzarela"). Cá entre nós, essas três formas matam a vontade de pizza até de pizzófilos como eu. Quem se atreveria a comer ou a pedir uma pizza de "mozarela"?
A de "muçarela" certamente é mais palatável, mas o "ç" parece distanciar ainda mais a versão brasuca da insuperável "mozzarella" original, ou seja, a da terra de Dante. Por que diabos não aportuguesar a palavra com "ss"? E por que ultradiabos perguntar isso num concurso público para qualquer coisa (coveiro, juiz, professor, varredor etc.)? Que conhecimento se avalia com isso?
O feminino de "peixe-boi" foi pedido há alguns anos, num concurso para oficial de justiça também feito em São Paulo. A pergunta não poderia ser mais pertinente! Como se sabe que peixes-boi (ou peixes-bois, tanto faz) são desordeiros contumazes, exige-se dos futuros oficiais o domínio da forma que terão de usar à exaustão, já que volta e meia deixarão nas mãos de pobres peixas-vacas uma intimação para os maridos fujões. Imagino o diálogo: "Olá, dona Peixa-Vaca, onde está seu marido?". Haja paciência para tanta bobagem, para tamanha desvirtuação da avaliação da competência lingüística! Ah, sim, o feminino de "peixe-boi" é "peixe-mulher" (acredite se quiser).
Mas vamos ao outro lado da moeda, o das questões que exigem o domínio do que de fato interessa. Um dos tantos itens que interessam é o emprego dos conectivos, o que, em outras palavras, exige (e demonstra) a percepção do nexo. Nesse modelo de prova, é comum a exigência do domínio de maneiras diferentes (e equivalentes) de relacionar idéias.
Tomemos como exemplo dessa exigência esta questão do vestibular da Unifesp: "Quanto aos significados que encerra, a frase "Apesar de iniciarem a vida sexual mais cedo, os jovens não têm informações e orientações suficientes" equivale a: a) Os jovens iniciam a vida sexual mais cedo, uma vez que não têm informações..."; b) Como os jovens iniciam a vida sexual mais cedo, não têm informações...; c) Os jovens iniciam a vida sexual mais cedo, mas não têm..."; d) Tanto os jovens iniciam a vida sexual mais cedo, que não têm...; e) Os jovens iniciam a vida sexual mais cedo, portanto não têm...".
Que relação se estabelece entre a precocidade da vida sexual e a insuficiência de informações e orientações? A locução "apesar de" deixa claro que essa relação é de oposição, o que também se obtém com o conectivo adversativo "mas". É isso.

inculta@uol.com.br


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