São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

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BARBARA GANCIA

Eu pertenço aos Hernandes

Quem já viu a pregação da bispa Sônia na TV sabe que é pouco provável que Deus a use como instrumento

COMO VOCÊ reagiria, nobre leitor, se um filho, um sobrinho ou um irmão seu fosse submetido a lavagem cerebral? Pessoalmente, eu não saberia nem por onde começar a responder a essa espinhosa pergunta.
São muitos os jovens cooptados por seitas ultimamente. Só de conhecidos meus, conto quatro casos explícitos ocorridos nos últimos dois ou três anos.
As vítimas são todas pessoas instruídas, endinheiradas, viajadas e cosmopolitas. Nunca lhes faltou nada e, mesmo assim, todas alteraram os rumos de suas vidas depois de entrar em contato com algum suposto salvador de almas ou um templo qualquer em que todas as glórias estão ao alcance de quem se dispõe a pagar o dízimo.
Ao longo desta semana, o comentarista esportivo Milton Neves afirmou na rádio Bandnews FM que foi só depois de o jovem Ricardo Izecson Santos Leite, o nosso Kaká, ter conquistado o título de melhor jogador do mundo que o Ministério Público resolveu interrogá-lo sobre sua ligação com os líderes da igreja Renascer. Estevam e Sônia Hernandes são condenados nos Estados Unidos por evasão de divisas e acusados. No Brasil, entre outros delitos, são acusados de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e estelionato.
Milton Neves também afirmou que ninguém tem nada a ver com isso se Kaká escolheu abraçar esta ou aquela religião. O colega tem razão quando faz implicação de que o Ministério Público anda querendo aparecer nos últimos tempos, mas talvez ele não saiba que o envolvimento do nome de Kaká na investigação é anterior à sua eleição como melhor do mundo em 2008.
E eu não discuto a religiosidade de Kaká. Ao contrário, admiro quem se dedica à fé e tento fortalecer a minha própria todos os dias.
Nem tampouco tenho qualquer coisa contra evangélicos. Mas o que se discute no caso da igreja Renascer não é uma questão espiritual ou mística. Estamos falando de um caso de polícia.
Se Ricardo Izecson afirma doar grandes quantias à Renascer e se essas transferências de dinheiro não constam dos extratos apresentados pelos autodenominados "apóstolo" e "bispa", nada mais justo do que querer saber do atacante milanista como as transações foram executadas.
Se Ricardo Izecson se sente tão próximo do casal Estevam e Sonia Hernandes a ponto de pagar as custas de seus advogados, a Justiça tem todo o direito de saber o que motiva sua generosidade.
Quem já assistiu às pregações da "bispa" Sônia na TV sabe que é pouco provável que Deus a tenha usado como instrumento na obtenção das inúmeras realizações terrenas de Kaká. É bem mais plausível que elas sejam fruto do esforço pessoal do grande jogador.
É aí que a porca torce o rabo: como é que Kaká pode afirmar publicamente que deve tudo o que conquistou ao casal Renascer, como pode chamar de complô a prisão de quem foi pego com dinheiro não-declarado dentro de uma Bíblia, como é capaz de usar o termo "perseguição religiosa" para defender os Hernandes quando existem dezenas de ocorrências policiais dizendo que eles lesaram freqüentadores humildes de seus templos?
Como você reagiria, nobre leitor, se um filho, um irmão ou um seu ídolo futebolístico fosse submetido a lavagem cerebral?


barbara@uol.com.br

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