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BARBARA GANCIA
Eu pertenço aos Hernandes
Quem já viu a pregação da bispa Sônia na TV sabe que é pouco provável que Deus a use como instrumento
COMO VOCÊ reagiria, nobre leitor, se um filho, um sobrinho ou um irmão seu fosse
submetido a lavagem cerebral?
Pessoalmente, eu não saberia nem
por onde começar a responder a
essa espinhosa pergunta.
São muitos os jovens cooptados
por seitas ultimamente. Só de conhecidos meus, conto quatro casos
explícitos ocorridos nos últimos
dois ou três anos.
As vítimas são todas pessoas instruídas, endinheiradas, viajadas e
cosmopolitas. Nunca lhes faltou
nada e, mesmo assim, todas alteraram os rumos de suas vidas depois
de entrar em contato com algum
suposto salvador de almas ou um
templo qualquer em que todas as
glórias estão ao alcance de quem se
dispõe a pagar o dízimo.
Ao longo desta semana, o comentarista esportivo Milton Neves
afirmou na rádio Bandnews FM
que foi só depois de o jovem Ricardo Izecson Santos Leite, o nosso
Kaká, ter conquistado o título de
melhor jogador do mundo que o
Ministério Público resolveu interrogá-lo sobre sua ligação com os líderes da igreja Renascer. Estevam
e Sônia Hernandes são condenados nos Estados Unidos por evasão
de divisas e acusados. No Brasil,
entre outros delitos, são acusados
de lavagem de dinheiro, sonegação
fiscal e estelionato.
Milton Neves também afirmou
que ninguém tem nada a ver com
isso se Kaká escolheu abraçar esta
ou aquela religião. O colega tem razão quando faz implicação de que o
Ministério Público anda querendo
aparecer nos últimos tempos, mas
talvez ele não saiba que o envolvimento do nome de Kaká na investigação é anterior à sua eleição como melhor do mundo em 2008.
E eu não discuto a religiosidade
de Kaká. Ao contrário, admiro
quem se dedica à fé e tento fortalecer a minha própria todos os dias.
Nem tampouco tenho qualquer
coisa contra evangélicos. Mas o
que se discute no caso da igreja Renascer não é uma questão espiritual ou mística. Estamos falando
de um caso de polícia.
Se Ricardo Izecson afirma doar
grandes quantias à Renascer e se
essas transferências de dinheiro
não constam dos extratos apresentados pelos autodenominados
"apóstolo" e "bispa", nada mais
justo do que querer saber do atacante milanista como as transações foram executadas.
Se Ricardo Izecson se sente tão
próximo do casal Estevam e Sonia
Hernandes a ponto de pagar as
custas de seus advogados, a Justiça
tem todo o direito de saber o que
motiva sua generosidade.
Quem já assistiu às pregações da
"bispa" Sônia na TV sabe que é
pouco provável que Deus a tenha
usado como instrumento na obtenção das inúmeras realizações
terrenas de Kaká. É bem mais
plausível que elas sejam fruto do
esforço pessoal do grande jogador.
É aí que a porca torce o rabo: como é que Kaká pode afirmar publicamente que deve tudo o que conquistou ao casal Renascer, como
pode chamar de complô a prisão de
quem foi pego com dinheiro não-declarado dentro de uma Bíblia,
como é capaz de usar o termo "perseguição religiosa" para defender
os Hernandes quando existem dezenas de ocorrências policiais dizendo que eles lesaram freqüentadores humildes de seus templos?
Como você reagiria, nobre leitor,
se um filho, um irmão ou um seu
ídolo futebolístico fosse submetido
a lavagem cerebral?
barbara@uol.com.br
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