São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2008

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BARBARA GANCIA

A honestidade entrou em extinção?

Berlusconi venceu a despeito do conflito de interesses que existe entre a condução de seus negócios e a vida pública

VEJA COMO são as coisas. Nas recentes eleições italianas, tomei tanto, mas tanto cuidado para não votar em um candidato que pudesse ter a mais remota conexão com Silvio Berlusconi, que acabei enfiando os pés pelas mãos. Quando contei à minha tresloucada amiga Bucicleide o que tinha sido do meu voto, Buci, digo Cleide, enfunou-se de indignação: "Mas, Barbara, você enlouqueceu? Pelo que está me contando, você votou em um comunista argentino", ganiu ela.
Um COMUNISTA ARGENTINO, eu? Nesse caso, confesso que Calígula, Torquemada e, pasme, até Paulo Salim Maluf teriam sido, para mim, opções mais atraentes de voto.
Sei que não existem desculpas cabíveis para o erro que cometi e que alonguei minha estada no purgatório por conta dele, mas queria ver o eleitor tapuia, acostumado à simplicidade da urna digital, preencher a papelada da eleição italiana. É burocracia para nenhuma repartição pública nativa botar defeito.
Em todo caso, menos mal que os votos de outros membros da comunidade italiana no exterior salvaram minha pele e que o Brasil acabou elegendo para a Câmara o sociólogo Fabio Porta, de partido que faz oposição a Berlusconi. Disse ele, ao tomar conhecimento do resultado das urnas, que "muitos italianos no exterior se sentem alvejados pelo discurso xenófobo de Berlusconi".
Concordo e ouso ir além. Para aqueles descendentes como eu, de primeira geração, mas que nunca viveram na Itália, a distância dos problemas do dia-a-dia da política italiana impede que se caia na tentação de optar pela via mais fácil. É muito menos atraente votar no chamado mal menor quando se tem uma certa distância dos fatos.
A escolha em quem votar é, na maioria das vezes, uma decisão passional mesmo quando implica a prática do voto útil. Na quarta-feira, o correspondente da Folha em Washington, Sérgio Dávila, noticiou que, segundo pesquisa, Hillary Clinton não parece honesta nem confiável para 6 em cada 10 eleitores norte-americanos. E que, entre os democratas, a percepção da honestidade da ex-primeira-dama está 23 pontos percentuais atrás de Barack Obama. Mesmo assim, sabe-se que a mentirosíssima ainda tem boas chances de chegar à Casa Branca.
O próprio George W. Bush foi reeleito sob a sombra de Guantánamo e Abu Ghraib e das evidências de que seu governo nunca se acanhou em violar a privacidade alheia.
Na Itália, Berlusconi também venceu a despeito de ser amplamente conhecido pelo eleitorado o conflito de interesses que existe entre a condução de seus negócios pessoais e a vida pública.
E, por aqui, além de Lula se reeleger depois do terremoto causado pelo mensalão, são notórios casos como a consagração de Maluf como deputado mais votado, mesmo depois de virem a público quilos e mais quilos de provas sobre a existência de contas suas no exterior.
Disse Delfim Netto, em entrevista à revista "Poder - Joyce Pascowitch", recentemente, que desde os anos 40, estudos empíricos mostram que o fator mais importante em eleições é o econômico. Melhor ver por esse lado. Caso contrário, é capaz de eu preferir ser atirada aos tubarões amarrada ao comunista argentino em quem votei por pura asnice.


barbara@uol.com.br

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