|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BARBARA GANCIA
A honestidade entrou em extinção?
Berlusconi venceu a despeito do conflito de interesses que existe entre a condução de seus negócios e a vida pública
VEJA COMO são as coisas. Nas
recentes eleições italianas,
tomei tanto, mas tanto cuidado para não votar em um candidato
que pudesse ter a mais remota conexão com Silvio Berlusconi, que acabei enfiando os pés pelas mãos.
Quando contei à minha tresloucada amiga Bucicleide o que tinha sido
do meu voto, Buci, digo Cleide, enfunou-se de indignação: "Mas, Barbara, você enlouqueceu? Pelo que está
me contando, você votou em um comunista argentino", ganiu ela.
Um COMUNISTA ARGENTINO,
eu? Nesse caso, confesso que Calígula, Torquemada e, pasme, até Paulo
Salim Maluf teriam sido, para mim,
opções mais atraentes de voto.
Sei que não existem desculpas cabíveis para o erro que cometi e que
alonguei minha estada no purgatório por conta dele, mas queria ver o
eleitor tapuia, acostumado à simplicidade da urna digital, preencher a
papelada da eleição italiana. É burocracia para nenhuma repartição pública nativa botar defeito.
Em todo caso, menos mal que os
votos de outros membros da comunidade italiana no exterior salvaram
minha pele e que o Brasil acabou
elegendo para a Câmara o sociólogo
Fabio Porta, de partido que faz oposição a Berlusconi. Disse ele, ao tomar conhecimento do resultado das
urnas, que "muitos italianos no exterior se sentem alvejados pelo discurso xenófobo de Berlusconi".
Concordo e ouso ir além. Para
aqueles descendentes como eu, de
primeira geração, mas que nunca viveram na Itália, a distância dos problemas do dia-a-dia da política italiana impede que se caia na tentação
de optar pela via mais fácil. É muito
menos atraente votar no chamado
mal menor quando se tem uma certa distância dos fatos.
A escolha em quem votar é, na
maioria das vezes, uma decisão passional mesmo quando implica a prática do voto útil. Na quarta-feira, o
correspondente da Folha em Washington, Sérgio Dávila, noticiou
que, segundo pesquisa, Hillary
Clinton não parece honesta nem
confiável para 6 em cada 10 eleitores norte-americanos. E que, entre
os democratas, a percepção da honestidade da ex-primeira-dama está 23 pontos percentuais atrás de
Barack Obama. Mesmo assim, sabe-se que a mentirosíssima ainda
tem boas chances de chegar à Casa
Branca.
O próprio George W. Bush foi
reeleito sob a sombra de Guantánamo e Abu Ghraib e das evidências de que seu governo nunca se
acanhou em violar a privacidade
alheia.
Na Itália, Berlusconi também
venceu a despeito de ser amplamente conhecido pelo eleitorado o
conflito de interesses que existe
entre a condução de seus negócios
pessoais e a vida pública.
E, por aqui, além de Lula se reeleger depois do terremoto causado
pelo mensalão, são notórios casos
como a consagração de Maluf como deputado mais votado, mesmo
depois de virem a público quilos e
mais quilos de provas sobre a existência de contas suas no exterior.
Disse Delfim Netto, em entrevista à revista "Poder - Joyce Pascowitch", recentemente, que desde
os anos 40, estudos empíricos
mostram que o fator mais importante em eleições é o econômico.
Melhor ver por esse lado. Caso
contrário, é capaz de eu preferir ser
atirada aos tubarões amarrada ao
comunista argentino em quem votei por pura asnice.
barbara@uol.com.br
Texto Anterior: Polícia fecha rua de DP e põe até banheiro químico Próximo Texto: Qualidade das praias: Para Cetesb, todas as praias de Santos estão ruins para banho Índice
|