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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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REFORMA PSIQUIÁTRICA

Número de internações cai no país, mas especialistas reclamam da falta da verba

Devagar, paciente deixa manicômios

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Lentamente, os pacientes mentais estão saindo dos hospitais e voltando para suas casas ou "repúblicas". Em 2001, havia 56.755 leitos psiquiátricos. Hoje, são 54.946. Em dois anos, foram fechados 1.809 leitos.
No ano passado, foram 280.504 internações -bem abaixo das 394.889 registradas em 2000.
Em 1977, havia 176 serviços alternativos, hoje são 382. Só no Estado de São Paulo, o número de hospitais psiquiátricos caiu de 80 para 60 em oito anos.
São dados lembrados na Semana de Luta Antimanicomial, cujo dia principal se comemora hoje. Mas são números ainda muito tímidos para um movimento que no Brasil já dura quase 20 anos. A começar pelo dinheiro investido: todo o gasto do SUS com saúde mental no ano passado foi de R$ 590 milhões, o equivalente a 2,3% dos investimentos do Sistema Único de Saúde.
Pelas estimativas internacionais, 3% da população necessita de cuidados contínuos e outros 12% de atendimento eventual -até três consultas anuais. No Brasil, há 5 milhões no primeiro grupo e 20 milhões no segundo.
"Precisaríamos, no mínimo, do dobro dos recursos", diz o psiquiatra Pedro Gabriel Delgado, da área de saúde mental do Ministério da Saúde. Os cerca de 55 mil leitos e 382 serviços extra-hospitalares -além dos 42 para álcool e drogas- acolhem no máximo 1 milhão de doentes. Os outros 4 milhões estão trancados em suas casas. São vistos perambulando pelas ruas ou, quando têm um surto mais grave, são levados para as emergências dos hospitais -ou para as delegacias.
Faltam dinheiro e equilíbrio nas ações. Do total de gastos em saúde mental hoje, 78,67% vão para internações. O que resta vai para os serviços alternativos, especialmente os Caps, Centros de Atenção Psicossocial. Neles, o paciente é atendido e passa o dia em atividades. "Ainda há uma grande distorção, mas a tendência é de mudança no modelo", diz Delgado.
De fato, já foi muito pior. Em 1997, do total de gastos, 93% ficavam com os hospitais. Só 7% iam para os 176 serviços instalados. A mudança começou a ocorrer em 2001, quando foi aprovada a lei da reforma psiquiátrica, uma peça que começou "revolucionária" e terminou tímida depois de tramitar dez anos pelo Congresso.
Ainda hoje, dos 244 hospitais do país, 29 têm mais de 400 leitos -uma multidão de 17.000 pacientes. Estima-se que 70% dos internados sejam pacientes crônicos, viraram moradores dos hospitais, não têm mais para onde ir.
Aqui começam as notícias promissoras. Um movimento iniciado há pelo menos cinco anos vem lentamente transferindo pacientes internados para "residências terapêuticas" ou "lares abrigados", espécies de "repúblicas assistidas" em casas alugadas nas cidades. Os cerca de R$ 750 gastos por internação-mês caíram para menos de R$ 400.
O ministério reclassificou os hospitais e está pagando diárias de R$ 24 a R$ 31, beneficiando aqueles com menos de 80 leitos.
Na próxima semana, o governo envia ao Congresso uma proposta criando o "Projeto de Volta para Casa", dando um salário mínimo para pacientes que podem ser "desinternados". Na primeira fase, 2.000 serão beneficiados. "O governo quer a inclusão, mas o fechamento dos leitos precisa ser planejado", diz Delgado.
"Os serviços alternativos ainda são insuficientes, mas os recursos estão gradativamente se deslocando para os centros de atenção psicossocial", diz o psiquiatra Jonas Melman, coordenador da Associação Franco Basaglia, de São Paulo, que desenvolve projetos no campo da saúde mental.


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