UOL


São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EDUCAÇÃO

Pesquisa mostra que, mesmo entre alunos da mesma instituição e classe social, negros têm notas piores que as dos brancos

Preconceito afeta desempenho na escola

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A universalização do ensino no Brasil não é suficiente para acabar com as desigualdades raciais na educação brasileira. Um estudo feito por pesquisadores da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro a partir de dados do Ministério da Educação mostra que estudantes negros estão aprendendo menos do que os brancos de mesmo nível social e que estudam na mesma escola.
Analisando as notas dos alunos no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), principal exame do ministério para medir a qualidade da educação brasileira, os pesquisadores Angela Albernaz, Francisco Ferreira e Creso Franco mostraram que os negros tinham, na média de todas as disciplinas verificadas, desempenho inferior em 9,3 pontos ao dos brancos, mesmo quando eram comparados alunos da mesma classe social e da mesma escola.
O estudo, financiado pela Fundação Ford, também aponta diferenças nas notas entre brancos e pardos. Nesse caso, a diferença a favor dos brancos é de 3,1 pontos.
Para os pesquisadores, os resultados são uma forte evidência de que pode estar havendo preconceito na escola. Professores podem estar tratando de maneira desigual negros e brancos da mesma sala de aula.
Outra explicação é a herança entre gerações. As pesquisas do ministério mostram que a escolaridade dos pais e avós influi diretamente no rendimento escolar do aluno. Quanto mais escolarizados são os pais e os avós, melhor tende a ser a nota dos alunos.
"É muito provável que a educação dos avós -que não pudemos levar em conta na análise- explique parte da diferença que encontramos", afirma Franco, um dos autores do estudo.
A pesquisa também levanta a hipótese de que possa haver um viés cultural nos currículos escolares quando eles enfatizam, por exemplo, os aspectos normativos do uso da língua em vez de valorizar a capacidade de comunicação oral e escrita.
"Todos perdem quando a escola distancia-se da realidade dos alunos, mas os grupos sociais historicamente afastados do poder e da cultura erudita perdem mais", afirma Franco.
Os autores do estudo defendem o debate sobre políticas de ações afirmativas, como as cotas que garantem um percentual mínimo de vagas em universidades para estudantes negros ou pardos. Segundo eles, os dados mostram que não basta universalizar o ensino e dar a mesma educação para negros e brancos para que a desigualdade no ensino acabe.
Os autores do estudo, no entanto, não minimizam os efeitos da universalização. Nas provas de matemática, por exemplo, a diferença entre a nota média de negros e brancos, sem levar em conta a classe social e a escola onde estudam, é de 24 pontos a favor dos brancos. Quando os pesquisadores comparam apenas negros e brancos da mesma classe social e da mesma escola, a diferença cai para 13 pontos.
Ainda assim, segundo Franco, trata-se de uma diferença significativa. O Saeb, exame que serviu de base para o estudo, tem uma escala de notas que vai de 0 a 475. Os estudantes da 4ª e da 8ª série do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio fazem a mesma prova. De acordo com a pontuação, é verificado se a nota é compatível com o nível esperado para cada série.
A diferença média de 13 pontos em matemática representa 26% do desvio padrão médio verificado (cálculo que indica qual a diferença entre as notas parciais que compõem a média final em relação a essa média), que foi de 50 pontos. Essa diferença, explica Franco, é suficiente para determinar se um candidato passaria ou não num vestibular de universidade pública.
A desigualdade entre negros e brancos e as hipóteses de que o preconceito afeta o desempenho dos negros já haviam sido detectadas em estudo da Fundação Carlos Chagas em São Paulo.
A ex-secretária de Educação de São Paulo Rose Neubauer participou da pesquisa da fundação e concorda com as conclusões dos pesquisadores da PUC. "As pesquisas sugerem que as crianças negras têm sido mais abandonadas na escola", afirma.
Para ela, pode estar acontecendo o que os especialistas chamam de profecia que se auto-realiza. Ou seja, o professor tem uma expectativa de que o aluno negro aprenda menos e, por isso, dá menos atenção a ele. Por causa da falta de atenção, o estudante acaba realmente tendo rendimento pior que o dos colegas de classe.
Neubauer cita também pesquisas que mostram que a auto-estima pode influenciar o desempenho. Uma delas, feita pela psicóloga Ana Maria Popovic na década de 80, mostrava que havia diferença na auto-estima das crianças negras que estavam na pré-escola e no ensino fundamental.
A pesquisa dizia que, ao entrar no fundamental, havia uma perda de auto-estima das crianças, o que pode interferir em seu desempenho. "O professor, ao elogiar apenas o cabelo macio de um aluno de cor branca, pode estar reforçando um modelo cultural de beleza. Isso pode afetar a auto-estima e o desempenho escolar de um estudante negro da mesma classe", afirma.


Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Ana Lúcia, 10, mudou de escola duas vezes
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.