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GILBERTO DIMENSTEIN
Conversa de bêbado
Na periferia de Brasília, uma escola pública resolveu funcionar
durante a madrugada e finais de
semana, aberta para as gangues.
Localizada a 35 quilômetros do
Plano Piloto, Planaltina é uma
praça de guerra, onde jovens se digladiam movidos a álcool e droga.
Muitas vezes, a pancadaria é passatempo, na busca de lazer.
Numa tentativa de domar o
conflito, a escola convida os integrantes de gangues a disputar torneios de futebol em sua quadra
-transferem as rixas para a bola.
Aparentemente exótico, o horário dos torneios tem uma razão
simples. Em todo o país, as estatísticas mostram que, nesse período,
ocorre a maioria dos casos de violência, especialmente nos finais de
semana.
É uma ótima lição -especialmente para os paulistanos, atentos para o debate sobre o fechamento dos bares depois da 1h.
Por trás da decisão de fechar os
bares, há uma discussão séria: a
imensa maioria dos casos de violência tem drogas no meio, protagonizados dentro de um bar.
A análise dos homicídios revela
que os crimes ocorrem de noite,
com maior incidência nos finais
de semana na periferia, geralmente por motivos fúteis; discussão sobre futebol, mulher, desentendimentos familiares, por
exemplo.
As estatísticas indicam que os
homicídios nos bairros de classe
média são semelhantes aos dos
países mais ricos.
É uma realidade escondida e
desconhecida, graças ao clima de
histeria.
É sabido que controlar o consumo de álcool e de drogas é um dos
mecanismos para reduzir os níveis de violência.
Fiscalizar e fechar bares depois
de determinado horário teria até
sentido -desde que como um
das peças de um projeto.
O que funciona, de fato, são experiências como a de Planaltina,
nas quais espaços públicos se
transformam em centros de convivência, cercados de educadores,
psicólogos e médicos.
Iscas como esporte e arte têm
servido, nos mais variados países,
para atrair, envolver e encantar
jovens delinquentes, recuperados
em sua auto-estima.
A cura definitiva é quando se
agregam a escola formal e, depois,
programas de geração de renda.
Droga e álcool não são causas
de violência. São consequência da
percepção cotidiana de marginalidade.
A grande bebedeira nacional
não é só a lerdeza, em geral, do
poder público -incompetência
de aplicar medidas simples e eficazes como manter as escolas
abertas nos finais de semana.
É, além da lerdeza, a incapacidade de suas várias esferas trabalharem juntas, repartindo e complementando responsabilidades.
Se os governos federal, estaduais e municipais, aliados a grupos empresariais, sindicais e associações não-governamentais quisessem reduzir a violência, não
precisariam gastar quase nada
além de seus orçamentos.
Quanto custa manter as escolas
abertas nos finais de semana,
com atendimento médico e psicológico, acompanhados de programas de arte, esporte e reforço escolar?
Há milhares (repito, milhares)
de cidadãos dispostos a colaborar
gratuitamente, desde que convencidos de que o esforço é sério.
Pela falta de uma estratégia global, capaz de ser articulada em
conjunto em diferentes esferas,
bobagens prosperam, como se fossem conversa de bêbado.
Alguns propõem reduzir a
maioridade penal, imaginando
que trancafiar adolescentes numa prisão de adultos resolve o
problema; há quem defenda a pena de morte. O fechamento dos
bares se insere nesse clima de conversa de bêbado, muita falação e
pouca consequência.
PS - Bom exemplo. A Federação
Paulista de Futebol doou R$ 1 milhão para o Instituto de Solidariedade (ISO), entidade não-governamental, para que se construa
centros de esporte na periferia,
combinado com atividades educacionais e artísticas.
Em parceria com a Secretaria
de Esportes, esse projeto envolve
grandes grupos empresariais, visando atrair crianças de rua
-uma experiência-piloto já funciona no Ginásio do Ibirapuera.
Idéia semelhante, no Rio, mostra que, se bem executado, o projeto funciona. É o caso da Mangueira, onde despencaram a níveis insignificantes os crimes cometidos por adolescentes.
O fato ridículo: a cidade de São
Paulo tem, no máximo, 2.000
crianças de rua.
Só a incompetência e o descaso
explicam como a cidade mais rica
da América Latina não sabe lidar
com tão poucas crianças em estado de decomposição.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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