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Obrigatório, antifurto está sujeito a adulterações
Sistema é fraudado com técnicas simples; massificação pode agravar problema
Perda de sinal em lugares fechados, ação de ladrões para bloquear transmissão
de dados e clonagem são previstas por especialistas
DANIEL BERGAMASCO
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
O dispositivo antifurto obrigatório para todos os veículos
saídos de fábrica a partir de
agosto de 2009 pode ser fraudado com certa facilidade por
ladrões, afirmam especialistas
e profissionais do ramo.
A vulnerabilidade existente
hoje ainda tende a se agravar
com a padronização da tecnologia que deve ser feita pelo governo federal neste semestre e
a massificação do produto.
Mais: os próprios estudos
que embasaram a nova exigência prevêem que ela só terá eficácia se forem adotadas ações
complementares pelos órgãos
de trânsito, e há até uma projeção de clonagem de equipamentos que pode prejudicar a
fiscalização de até 2,4% dos veículos procurados nos principais centros, como São Paulo.
Pela resolução 245 do Contran (Conselho Nacional de
Trânsito), publicada neste mês,
veículos só poderão ser vendidos se já tiverem instalado esse
equipamento para rastreamento e bloqueio à distância.
Caberá ao motorista decidir
se quer pagar uma taxa mensal
de manutenção do serviço, mas
haverá um custo compulsório:
os carros ficarão mais caros.
Hoje os dispositivos podem
custar até R$ 2.000, mas a projeção é que, em escala, eles possam sair próximos de R$ 150.
A exigência se tornou mais
polêmica diante dos questionamentos sobre as deficiências
dessa tecnologia. A medida
cumprirá sua missão? "Provavelmente muito pouco. O aparelho não será grande problema para ladrões "profissionais'", avalia Francisco Javier
Ramirez Fernandez, professor
do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da
Escola Politécnica da USP.
"É tecnicamente muito fácil
localizar onde ele está dentro
do carro e bloquear a transmissão do sinal." Fernandez afirma
que objetos caseiros são usados
para desarmar esse sistema.
Para ele, a instalação em
massa do aparelho e sua padronização vão facilitar a ação de
criminosos. "Se há uma tecnologia padrão, fica ainda mais fácil descobrir como desarmá-la.
E, se os aparelhos estiverem
sempre no mesmo local, sua retirada fica ainda mais fácil."
Profissionais do setor de rastreamento também reconhecem as deficiências -que vão
da possibilidade de bloquear a
transmissão de dados até à queda de sinal em lugares fechados, como garagens e túneis.
"Sim, existe a possibilidade
de camuflar", diz Pedro Barrachina, engenheiro que é coordenador técnico do Cesvi Brasil, centro de pesquisa associado a empresas do ramo. "Mas,
mesmo que não impeça todos
os roubos e furtos, haverá impacto no número total."
Elcio Fernandes, diretor de
mídia da rastreadora Car
System, diz que a empresa não
consegue rastrear os veículos
em 1,5% dos casos e bloqueá-los em 8%. "Mas é basicamente
porque os clientes demoram
para entrar em contato ou não
fazem os testes [periódicos recomendados pela empresa]."
O físico Dario Sassi Thober,
diretor do Centro de Pesquisas
Avançadas Wernher von
Braun, contratado pelo governo para preparar estudos que
embasaram a exigência, admite
as falhas, mas ressalta haver
um caráter inibidor no sistema.
"A eficiência depende da infra-estrutura montada em volta", afirma Thober, acrescentando que a medida terá que ser
acompanhada da instalação já
anunciada de chips em toda a
frota, inclusive de usados, nos
próximos quatro anos -exigência que pode adicionar mais
uma despesa aos motoristas.
Isso porque os veículos que
tiverem seus dispositivos antifurto bloqueados ou retirados
por ladrões terão que ser barrados a partir da fiscalização por
antenas ou radares de leitura
de placas a ser instalados em
conjunto com os chips.
O físico avalia que a clonagem do chip é "saudável". "É até
bom que tenha, mas de forma
controlada. Sem isso, não há estímulo à evolução tecnológica."
Mesmo com vulnerabilidades, os defensores da medida
alegam que haverá redução de
furtos e roubos e aumento de
recuperação dos veículos -a
dúvida é se em patamares que
justifiquem a obrigatoriedade.
Hoje pouco menos de metade dos 380 mil veículos furtados ou roubados por ano são recuperados. A taxa cresce para
os rastreados: entre assegurados pela Porto Seguro, ela é de
75% -mas já foi de 96%.
"O custo adicional é pequeno
diante dos benefícios esperados", opina Geraldo Viana, presidente da NTC e Logística
(que reúne transportadoras).
Márcio Ribeiro de Moura, 36,
ganhou, em primeira instância,
processo contra a Car System.
"Minha moto tinha rastreador.
Quando foi roubada, não conseguiram localizar." O episódio
aconteceu há cinco anos. "O
rastreador estava muito bem
preso. Eu nem pagava seguro."
O Procon-SP registra três reclamações mensais contra fabricantes de aparelhos de rastreamento -tanto por falhas
quanto problemas contratuais.
A Volkswagen incluiu o dispositivo antifurto no Golf em
2005 e, em março deste ano,
anunciou a extensão para outros modelos. Voltou atrás, diz,
porque poucos se interessavam
na habilitação do sistema.
Colaboraram EDSON VALENTE E BRUNA MARTINS FONTES, da Redação, ROSÂNGELA DE MOURA, Colaboração para a Folha, e JULIANNA SOFIA, da Sucursal de Brasília
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