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MOACYR SCLIAR
O dilema da porta giratória
Poucos dias depois do incidente com o homem da jaqueta, uma mulher, ainda jovem,
tentou entrar numa agência bancária e também ficou presa na
porta. Em princípio, os seguranças tiveram dificuldade em identificar que tipo de objeto havia sido detectado pelo equipamento
eletrônico, mas a própria moça
encarregou-se de avisá-los:
-É isto aqui.
Tratava-se de um grande broche de metal que ela tinha preso
ao casaco.
-Pois então tire, disse o segurança.
Para sua surpresa, a resposta foi
uma irritada negativa:
-Não tiro coisa nenhuma. E
soltem de uma vez esta porta que
eu quero entrar.
O gerente foi chamado. A ele a
moça explicou, num tom muito
mais cortês, que a jóia, na realidade uma bijuteria barata, era a
última lembrança que tinha de
sua falecida mãe:
-Ela pediu que eu a levasse
sempre comigo. Tirar este broche,
agora, seria uma afronta à sua
memória.
Atrapalhado, o gerente não sabia o que fazer. Poderia, claro, endurecer; mas... e se a moça armasse um escândalo? Se a coisa terminasse na TV, nos jornais? Decidiu
consultar seus superiores. Enquanto isso, a moça teria de
aguardar ali, presa na porta.
-Não me importo -disse
ela-; desde que eu possa cumprir
o último pedido de minha querida mãe, nada é problema para
mim.
O gerente telefonou para seu superior imediato, que também ficou perplexo com o dilema: nunca se vira diante de uma situação
tão inusitada. Teve, pois, de ligar
para a direção geral do banco.
Uma reunião de emergência foi
convocada, contando inclusive
com a presença de assessores de
imprensa. Enquanto isso, a situação na agência era caótica; as pessoas presas lá dentro tinham sido
retiradas por uma porta lateral,
mas a fila à frente era enorme. Ao
telefone, o gerente implorava por
uma solução.
Que finalmente veio: a cliente
poderia entrar, com broche e tudo.
Uma vez lá dentro, o assalto foi
rápido. Sacando um pequeno revólver da bolsa, ela mandou todo
mundo deitar no chão, a rotina
de sempre. Coletou o dinheiro dos
caixas e saiu sem problema. Na
pressa, o broche desprendeu-se do
casaco e caiu no chão, mas ela
não se deu ao trabalho de apanhá-lo. O gerente disse depois que
nunca tinha visto tamanha falta
de consideração com o último desejo de uma mãe moribunda.
O escritor Moacyr Scliar escreve nesta
coluna, às segundas-feiras, um texto de
ficção baseado em notícias publicadas
no jornal.
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