São Paulo, Segunda-feira, 18 de Outubro de 1999
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HISTÓRIA
Pedido foi feito por arqueólogo após 900 pessoas terem feito um protesto sobre as ruínas do sítio arqueológico
Governo inicia tombamento de Canudos

Victor Agostinho
Passeata do 'padre' Enoque sobre as ruínas


VICTOR AGOSTINHO
especial para a Folha

O governo federal, por intermédio do Iphan (órgão que cuida do patrimônio histórico nacional), iniciou na última sexta-feira o processo de tombamento de Canudos, palco da mais sangrenta guerra civil brasileira e onde foram mortos, segundo estimativas do exército, cerca de 25 mil pessoas entre 1894 e 1897.
Inundado em 1968 pelas águas do açude de Cocorobó, o arraial de Canudos (420 km de Salvador) e suas ruínas começaram a emergir em 1996 com a seca que atingiu todo o semi-árido baiano. Hoje, após quatro anos sem chuvas significativas, toda a área do arraial pode ser percorrida à pé.
Voltaram à tona agora as ruínas da primeira igreja de Canudos (Igreja de Santo Antônio), da segunda igreja (Igreja de Bom Jesus, estopim da guerra) e de um cruzeiro, obras inauguradas no fim do século passado por Antônio Conselheiro, líder religioso que comandou jagunços contra as tropas de Prudente de Morais.
Das 5.000 edificações de Canudos, as duas igrejas eram as mais sólidas e para onde os conselheiristas corriam quando começavam os bombardeios federalistas.
Com a seca, os arqueólogos Paulo Zanettini e Erika Gonzales, contratados pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), começaram as escavações para estudar os edifícios. "É uma situação única. Não sabemos até quando a região vai ficar sem chuva. Precisamos concluir os estudos antes do novo alagamento", diz Zanettini.

Romaria
Além do risco sempre presente de o açude voltar a encher e encobrir novamente o arraial, os pesquisadores lutam contra a depredação do sítio arqueológico.
Como há um século, moradores das cidades vizinhas continuam a fazer romarias em direção a Canudos. Em paus-de-arara (caminhões) ou em ônibus fretados, os romeiros dos anos 90 chegam às centenas às ruínas.
Na semana passada, uma romaria com cerca de 900 pessoas, promovida pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag) e pelo "padre" Enoque José de Oliveira, religioso que rompeu relações com a Igreja Católica, realizou um protesto em cima das ruínas de Canudos.
"Viemos aqui para mostrar a história de Canudos. Mostrar a luta contra a elite, que sempre excluiu Canudos", disse Oliveira.
"Isso aqui é legal, mas não estou entendendo muito bem algumas coisas. O cemitério eu reconheci porque é óbvio, mas fica difícil saber o que era o resto, não tem plaquinha", disse a professora primária Eulália Silva, 22. Ela ganha R$ 130 mensais e saiu do município de Monte Santo com os termômetros marcando 42C, para participar do ato.
Ao ser avisado, por telefone, de que 900 pessoas estavam passeando sobre o sítio histórico, o arqueólogo Zanettini enviou um relatório ao Iphan pedindo o tombamento do Parque Estadual de Canudos -próximo às escavações- e "alguma forma de proteção do sítio arqueológico", onde está localizado o arraial.
Zanettini não pediu o tombamento das escavações porque sabe que uma nova inundação é apenas questão de tempo.
O presidente do Iphan, Carlos Henrique Heck, deu início na última sexta-feira à fase de instrução do tombamento. "Canudos representa um dos capítulos mais fortes de nossa história", disse.
Amanhã, dois representantes do Iphan vão à Canudos discutir com pesquisadores da Uneb as saídas para preservar as escavações e anunciar que o processo de tombamento do Parque Estadual de Canudos foi iniciado.


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