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LETRAS JURÍDICAS
Censura e punição: realidades inconfundíveis
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Na série de comentários
sobre a Constituição que
estou desenvolvendo neste mês,
trato hoje da liberdade de comunicação. Retomo a decisão judicial que tirou do ar o programa
de Gugu Liberato, porquanto toda a sociedade tem interesse em
questionar a censura, pois isso diz
respeito diretamente ao exercício
dos direitos de cada cidadão, que
caracterizaram mais do que tudo
a Carta de 1988. O vocábulo "censura" tem, no linguajar comum,
significados diversos, correspondendo a uma forma de restrição
ao comportamento de alguém.
Nos meios de comunicação, é ato
de autoridade que lhes impõe,
permite ou proíbe a transmissão
de informações e comentários, segundo os desígnios do poder. O
ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com a dupla autoridade de seu cargo e de sua condição de qualificado lidador do Direito, disse bem: a proibição a
priori é censura e, como tal, incompatível com a Constituição.
No que aqui nos interessa, a forma de controle dos meios de comunicação pela autoridade pública, seja qual for o Poder a que
esta pertença, tem sempre sua natureza impeditiva, porquanto interfere na liberdade de comunicar
antes que esta se concretize. Nos
tempos da ditadura militar, a interferência se fazia por censores
oficiais, postos nas Redações ou
até por simples telefonemas às
emissoras, proibindo-as de divulgar matérias consideradas contrárias ao interesse do poder
dominante.
A história da censura, na acepção aqui examinada, confirmada
nos três lustros de vida da Constituição, indica permanentemente
o mesmo tipo de comportamento.
Num certo momento, a autoridade pública, dizendo agir em nome
da lei, interrompe o fluxo da obra
artística ou jornalística entre a
fonte emissora (o jornal, a revista,
a estação de rádio ou televisão) e
o público.
Para melhor compreender a definição de censura, no caso do
programa proibido, é preciso distinguir com absoluta clareza uma
situação da outra. A luta contra a
censura é a defesa da prática democrática e do direito fundamental de todos os cidadãos, retratado no inciso IX do artigo 5º e no
artigo 220 da Constituição, assecuratórios da plena liberdade de
manifestação. Outra coisa é a verificação de condutas criticáveis
por desrespeitarem os bons costumes, estimularem a delinquência,
infringirem ou não as leis vigentes. Há que constatar se constituíram infrações administrativas, legais ou mesmo criminais. O grau
da culpa será avaliado em face da
conduta apurada de cada
um deles.
As duas situações não se confundem. A Constituição situa a
diferença com clareza. Se princípios éticos ou relativos aos valores
protegidos, por qualquer modo,
são desrespeitados, a lei tem mecanismos próprios para a punição. Desenvolvem-se necessariamente através de outros atos da
autoridade, destinados a apurar e
a punir. Proibir o programa posterior, cujo conteúdo se ignorava,
aludindo a defeitos do programa
anterior, é censura. E, não obstante as respostas dos juristas
contra a censura sejam vigorosas,
como já fez o ministro da Justiça,
nenhuma delas foi melhor que a
do escritor francês Gustave Flaubert, escrita em 1852: "A censura,
seja qual for, parece-me uma
monstruosidade, algo pior que o
homicídio: o atentado contra o
pensamento é um crime de lesa-alma". Os constituintes de 1988
certamente foram inspirados pela
mesma convicção.
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