São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

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MERCADO DA MORTE

Mercado da morte especula com a dor

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Enterrar um morto nos grandes centros urbanos não é apenas momento de dor e perplexidade para a família. É também hora de enfrentar a complexa burocracia do sepultamento, o alto preço do funeral e o inesperado endividamento que pode resultar disso.
Num mercado que movimenta até R$ 800 milhões por ano no Brasil, pagar pelos funerais de um ente querido pode levar os familiares a enfrentar uma gincana de preços de critérios duvidosos.
Na rede de cemitérios públicos de São Paulo, o enterro mais barato custa cerca de R$ 100, enquanto o mais caro chega a R$ 17.500.
O serviço de cremação é mais barato do que o sepultamento. Custa cerca de R$ 200. Mas é pouco usado (apenas 5% da capacidade) "porque a sociedade ainda não se acostumou à idéia de queimar corpos", diz o Serviço Funerário do Município.
Na rede privada, em cemitérios-jardins de classe A, como o Gethsêmani ou o Morumby, um sepultamento pode ultrapassar R$ 20 mil, conforme o tipo de caixão e serviços escolhidos.
A Folha conversou com pessoas de diversos segmentos sociais que manifestaram sensação de impotência e a suspeita de que foram enganadas e mal informadas na hora do enterro de um parente.
Irregularidades no serviço prestado pelo Serviço Funerário Municipal e pelos cemitérios particulares começam a ser objeto de análise tanto na Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão do Ministério da Justiça, quanto no Procon de São Paulo.
O Procon já tem, em seu "livro negro", a lista de cemitérios mais citados por reclamações. De janeiro a julho deste ano, o órgão recebeu 68 consultas e 32 reclamações contra cobrança de taxas, preços altos, contratos irregulares, rescisões, entre outras.
Em julho último, a Secretaria de Direito Econômico instaurou processo administrativo contra a Comunidade Religiosa João 23, mantenedora do cemitério Morumby, para apurar denúncia de abuso de poder econômico e aumento arbitrário de lucros.
Em São Paulo, a prefeitura é a responsável pela fiscalização dos cemitérios particulares e pela prestação de serviços de sepultamento e cremação, pelo transporte dos corpos e de coroas de flores e pelo fornecimento de urnas funerárias para os enterros.
O Serviço Funerário Municipal (SFM) de São Paulo, encarregado de administrar quase 6 mil mortes por mês, está entre as maiores funerárias do mundo.
O superintendente do SFM, Ignazio Gandolfo, informou (por meio de sua assessoria de imprensa) que os enterros gratuitos representam 40% de todos os sepultamentos da cidade, e só podem ser realizados nos cemitérios públicos de categorias 3 e 4, chamados "de quadra geral" (sem jazigos), em covas de terra, sem direito a velório nem paramentos ou enfeites florais.
"O problema é que as pessoas morrem de vergonha de fazer enterro grátis", disse Carlos Gilberto Alves, assessor de imprensa do Serviço Funerário Municipal. "Muitas se endividam nessa hora e depois não pagam. O nome não vai para o SPC, mas fica inscrito na dívida pública", Gilberto Alves completou.
Para Rui Alencar, diretor do SFM entre 1992-94, "geralmente as pessoas querem pagar porque se sentem vulneráveis e culpadas de não terem feito o que acham que deviam ter feito em vida pelo morto. É aí que começa o processo de especulação de preços".




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