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GILBERTO DIMENSTEIN
Doença de médico é contagiosa
O presidente da Associação
Paulista de Medicina, Eleuses
Vieira, revela ser disseminado
o uso de calmantes entre médicos -especialmente entre os
mais jovens. "Não temos estatísticas precisas, mas sabemos,
por vivência, que é uma prática rotineira", diz.
Especialista em doenças do
trabalho, José Erivalder Guimarães explica os calmantes
pelas crises agudas de estresse,
afetando o desempenho profissional.
O estresse faz o médico ver o
paciente como uma fonte de
transtornos e aborrecimentos,
tratando-o com irritabilidade.
Corre, portanto, mais risco de
erro.
Associado à irritabilidade e a
sintomas de depressão, aparece não só o calmante, mas
também, com certa frequência,
abuso de álcool e drogas.
"Vida de cão", comenta Erivalder que, além de especialista em doenças profissionais, é
presidente do Sindicato dos
Médicos de São Paulo.
Com seu dia comemorado hoje, o médico é cercado por uma
auréola romântica pela sociedade.
Está nas suas mãos a mais
preciosa das riquezas -a vida.
O que lhe dá um toque divino.
Sua rotina, porém, é desconhecida. Nem mesmo a maioria dos alunos que sonham
com o diploma de medicina está informada exatamente sobre o que vai enfrentar.
O investimento é alto: nenhum curso exige tanto. São
seis anos de graduação e, no
mínimo, mais dois de especialização.
Logo descobrem o jogo bruto.
Psiquiatras da Universidade
de São Paulo detectaram alto
consumo de drogas e bebidas
entre estudantes dos últimos
anos do curso.
"É muita pressão, especialmente por causa da combinação de estudos e plantão", afirma o psiquiatra Arthur Guerra, responsável pela investigação dos hábitos de estudantes
de medicina.
"Tem muita ilusão, o charme
de andar vestido de branco e
ser chamado por todos de doutor", assegura Eleuses.
Os levantamentos realizados
por sindicatos e associações indicam que mais de 80% dos
médicos têm pelo menos três
empregos; em geral, o consultório, serviço público e hospital
privado.
Em parceria com o Conselho
Federal de Medicina, a Fundação Oswaldo Cruz aponta uma
média salarial abaixo dos R$
2.000 mensais.
Peguemos o caso da região
da Grande São Paulo, onde a
média salarial se aproxima
dos R$ 4.500 para quem exerce
os três empregos.
Para chegar a esse valor o
profissional deve trabalhar 44
horas semanais nos hospitais
públicos e privados. Misture
com os estressantes plantões.
Joguem-se, aí, mais 20 horas
no consultório. Temos, então,
66 horas semanais.
Vai, assim, ralar mais de 12
horas diárias.
Num hospital público, vê-se
cercado de gigantescas demandas e escassos recursos.
Não raro, ele tem de escolher
quem deve atender; o que significa quem vai morrer.
Detalhe nada desprezível em
São Paulo: de um emprego a
outro, o devastador trânsito.
Se em São Paulo sair para diversão já é difícil, enfrentando
o trânsito parado e ameaça de
assalto, imagine então se o
destino final for um hospital,
onde o mantra é a queixa de
dor.
Um dos candidatos preferidos a doenças coronarianas
(abaixo apenas de nós, jornalistas), o médico é, por definição, alguém que vive sob intensa pressão.
É obrigado a lidar com seres
humanos em situação limite,
carrega o peso de uma decisão
errada provocar estragos definitivos.
Baixa remuneração e trabalho
em excesso fazem dessa pressão não apenas um óbvio risco
aos médicos -mas contagia
seus pacientes, eventuais vítimas da pressa.
Até porque, com a falta de
tempo, dedicam-se menos a estudos, perdendo o passo das
inovações.
São espantosas as descobertas anunciadas a cada dia,
movidas a novas tecnologias
de informação e genética, mudando a forma e o conteúdo da
medicina.
Sentir-se desatualizado se
transforma, assim, em mais
uma fonte de pressão.
Impossível passar despercebido
nessa coluna o Dia dos Médicos. Apesar do mercantilismo,
descaso e conivência corporativa com os erros, todos conhecemos histórias de heroísmo.
PS - Palavra da Associação
Paulista de Medicina. Os piores alunos estão encontrando
refúgio nos plantões dos prontos-socorros.
Como o dinheiro é pouco e o
desgaste é muito, os plantões
atraem a mão-de-obra mais
desqualificada.
"Esses jovens médicos levam
a vida de plantão em plantão
para sobreviverem, tornando-se mão de obra barata, interessante ao mercado", afirma Eleuses.
"É nas emergências que deveríamos ter o profissional melhor qualificado, a exemplo de
outros países. Mas temos um
recém-formado e sem experiência adequada", acrescenta.
Quantos crimes não foram
cometidos e permanecem impunes?
E-mail: gdimen@uol.com.br
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