São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

WALTER CENEVIVA

Hiato entre leis e códigos


A lei processual que sacrifique a plena defesa tenderá a atingir a maior parte da população

MESMO QUE O LEITOR exerça uma das profissões ligadas ao direito vigente, é possível que não tenha dado atenção à lei nº 12.322, de setembro último, que entrou em vigor neste dezembro.
Não influencia diretamente a maior parte dos processos em andamento, pois transformou o agravo de instrumento, interposto contra decisão que não admite o recurso extraordinário ou o especial, em agravo nos próprios autos e alterou os dispositivos correspondentes no Código de Processo Civil.
Cabe o questionamento do leitor sobre a razão para trazer o assunto à coluna, quando tanta coisa pode mudar na legislação, durante os próximos meses, sob a influência da nova presidente, ao mesmo tempo em que se cuida da necessária reforma dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal.
Pois a boa explicação é exatamente essa. Em momento no qual a reforma integral do Código de Processo Civil está na trilha que vai do Senado para a Câmara dos Deputados, parece imprudente prosseguir, no Legislativo, com alterações pontuais. Lembre-se que a reforma do Código de Processo Penal também caminha no Congresso.
Torna inoportuna a edição de normas esparsas, ajustadas à lei codificada atual que, em breve, será integralmente reformulada. São regras que podem ou não ser harmônicas com os códigos em reforma.
As respostas serão agravadas pela crítica de que as duas codificações não tiveram seus elementos essenciais examinados por todas as entidades que reúnem os profissionais do direito.
Dou um exemplo: a lei nº 12.322 alterou a letra "0" do artigo 475 do Código de Processo Civil. Sim, letra "0", de Oscar, porque o referido art. 475 deixou de ser dispositivo autônomo, mas tornou-se sucessivos artigos com o mesmo número. Transformou-se o art. 475 em confusa colcha de retalhos.
Suas versões são redistribuídas em capítulos sucessivos, com dezenas de alterações, em cada um dos 17 novos artigos 475. São apenas distinguidos, uns dos outros, por letras que, até esta semana, iam até a letra "R", com temas e grupos de assuntos distintos.
Fico nesse exemplo isolado para não cansar o leitor, pois o Código de Processo Penal também tende a sofrer invasões semelhantes.
A diferença está em que seus riscos são mais graves. Trarão perigo para a liberdade das pessoas acusadas. Riscos de que, inseridos em lei, agravarão as condições dos que vierem a ser processados, até mesmo com a perda da liberdade submetida quase arbitrariamente às polícias ou ao Ministério Público.
O fundamental está em que a cidadania se mantenha atenta. A necessidade de punir criminosos é fundamento do direito. Traz com ela uma advertência: a ordem social se realiza quando sejam apenados os que efetivamente delinquiram, julgados por juiz competente, em processo legitimado pela defesa.
Se o leitor entender que há formalidades demais, tome cautela. A vítima da dispensa das formalidades essenciais pode ser o próprio leitor. Ou alguém de sua família.
Lei processual que sacrifique a plena defesa tenderá a atingir a maior parte do povo. O equilíbrio é difícil, mas indispensável. Na dúvida, a balança da Justiça deve pender mais para a defesa que para a acusação. No hiato entre o delito e a pena, a justiça interessa individualmente a cada pessoa.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Livros Jurídicos
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.