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MOACYR SCLIAR
O Rei dos Dedos
Comandante da American Airlines,
ao ser fichado no aeroporto de São
Paulo, posou com o dedo médio em
riste. "É um gesto internacionalmente obsceno", afirmou o delegado
Francisco Baltazar da Silva.
Cotidiano, 15.jan.2004
Sim, nós pertencemos todos
à mesma mão, ao mesmo corpo. Sim, nós temos basicamente a
mesma função, nós cinco. Sim,
nós somos todos iguais. Mas alguns, é preciso dizer, são mais
iguais. Alguém precisa se destacar, alguém precisa se impôr, alguém precisa mandar, alguém
precisa dizer ao resto da corja como proceder. E agora ficou claro a
quem deve caber esse papel, esse
posto, esse título.
Você, Polegar, não podia ter essa aspiração. Para começar você é
pequeno, tão pequeno que até
deu o nome para aquele personagem de uma história infantil, o
Pequeno Polegar. Além de pequeno, você é humilde. Você é sempre
o escolhido para dar a impressão
digital. Se um analfabeto precisa
assinar um documento, passam
um pouco de tinta em você e fazem com que você cumpra esse
desagradável serviço. Ou seja, sua
existência se traduz nisso, em
uma impressão.
Você, Mindinho, é pior ainda. O
Polegar é ao menos grosso; você é
fininho, delicado. No passado você servia para indicar aristocracia; aquelas pessoas elegantes que
tomavam chá com você elevado
no ar, lembra? Isso passou, nem
essa função você tem mais. Você é
completamente inútil, Mindinho.
Inútil e fraco. Você não serve para
o nosso mundo.
Você, Anular, é o símbolo da
submissão. Como seu nome diz,
você serve para portar o anel. Você mostra que um homem, ou
uma mulher, são casados. Com isso, você tolhe a liberdade deles,
você impede que possam viver
grandes e excitantes aventuras.
Você é um moralista retrógrado,
Anular. Pior, você está com os
dias contados, em primeiro lugar
porque muita gente não casa
mais, e em segundo, porque ninguém mais quer usar aliança.
A você, Indicador, devo certo
respeito. Reconheço que você seria o único a postular alguma liderança. Porque você tem uma
função importante: você aponta,
você indica, você acusa. Em muitas circunstâncias você é conhecido como Dedo-Duro e isso, para
mim, é uma distinção. Você é temido, Indicador, e no nosso mundo só sobrevive quem é temido.
Mas você, Indicador, não pode
pretender estar à minha altura.
Nem você, nem os outros. Para
começar, estou numa posição privilegiada, sou o dedo central. E
sou o maior dedo. Se alguma dúvida ainda existia em torno da
minha liderança, ficou definitivamente afastada neste caso do piloto americano. Esse homem pensa que mostrou o dedo. Está enganado. Fui eu quem assumi a iniciativa. Independente da vontade
dele, adiantei-me, elevei-me, posei para os fotógrafos. Foi o meu
momento de glória. Mostrei
quem está por cima. Coloquei os
subdesenvolvidos no seu devido
lugar. "Up yours", eu disse, e esta
é uma linguagem que todo o
mundo entende, que tem de entender se quiser viver no meu
mundo. Curvem-se diante de
mim, dedos. Eu sou o maioral, eu
sou o chefe, eu sou o rei de vocês,
eu sou o Rei dos Dedos, eu sou o
Rei do Mundo.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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