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PASQUALE CIPRO NETO
Pleonasmos
Na última terça-feira, a
Folha publicou o artigo
"Com Perdão do Pleonasmo", escrito pelo desembargador Celso
Limongi, presidente do Tribunal
de Justiça de São Paulo. O insigne
magistrado encerrou o texto com
estas palavras: "Enfim, falo, com o
perdão do pleonasmo, de uma
Justiça realmente justa".
De início, talvez seja bom lembrar o que é "pleonasmo": "Redundância de termos no âmbito
das palavras, mas de emprego legítimo em certos casos, pois confere maior vigor ao que está sendo
expresso" ("Houaiss"); "Redundância de termos que em certos
casos têm emprego legítimo, para
conferir à expressão mais vigor,
ou clareza" ("Aurélio").
Pois é aí que mora o perigo. Como definir o que é "legítimo" nesse caso? Construções como "subir
para cima" ou "entrar para dentro" são tidas como pleonásticas,
mas basta um "lá" ("Subir lá para
cima", "Entrar lá para dentro")
para que se abra a discussão: é
pleonasmo ou não é?
Bem, o fato é que construções
como "subir para cima", "entrar
para dentro" ou "descer para baixo" parecem mesmo não ter salvação. Daí para a frente, a questão pode tornar-se nebulosa, mas,
com um pouco de bom senso e zero de radicalismo, consegue-se
chegar ao xis do problema, que é
compreender o que leva o falante
a empregar certos pleonasmos.
Tomemos como exemplo o caso
da expressão "bela caligrafia",
que muitos ainda consideram
exemplo de pleonasmo que se deve evitar. Quem é que sabe que,
ao pé da letra, "caligrafia" significa "bela grafia"? Quem é que sabe
que o elemento grego "cali-" (o
mesmo de "calidoscópio", que
possui a variante "caleidoscópio",
à qual é preferível) significa "belo"? E quem é que hoje usa "caligrafia" com o sentido literal?
Parece mais sensato aceitar
"bela caligrafia" como um dos casos de pleonasmos consagrados
pela perda da noção do sentido
original, o que também se vê, por
exemplo, em "abismo sem fundo"
(literalmente, "abismo", que vem
do grego, significa "sem fundo")
ou no pronome oblíquo "comigo"
(soma da preposição "com" com
a forma antiga "migo", que, por
sua vez, vem da forma latina
"mécum", em que já se encontram o pronome e a preposição).
Convém lembrar também casos
como o deste exemplo de Viana
Moog, citado pelo professor Domingos P. Cegalla em seu "Dicionário de Dificuldades da Língua
Portuguesa": "Sorriu para Holanda um sorriso ainda marcado de
pavor". O que legitima o pleonasmo de "Sorriu (...) um sorriso" é a
expressão adjetiva "ainda marcado de pavor". De fato, ninguém
diria simplesmente "Ela sorriu
um sorriso" ou "Elas vivem uma
vida", mas é perfeitamente possível que se diga "Elas vivem uma
vida nababesca", por exemplo.
E o texto do nosso desembargador? Humanista e idealista que é,
Limongi certamente acredita que
haja pleonasmo em "Justiça realmente justa". Essencialmente, há
mesmo. Mas, como sei que ele conhece a vida, ouso dizer a Sua Excelência que os fatos se encarregam de mostrar que nem sempre
a Justiça é justa, de modo que...
Por fim, deixo uma pergunta:
não fui pleonástico quando, no
início do texto, caracterizei Limongi como desembargador e
presidente do Tribunal de Justiça
de São Paulo? Para ser presidente
do Tribunal de Justiça, não é preciso ser desembargador? É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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