São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

O xiita, a rainha, o juiz, a juíza...

Será que não existe acento agudo em vocábulos como "rainha" ou "xiita" porque sempre existem exceções?

NA SEMANA passada, movido pela palavra "paí", presente no título do filme "Ó Paí, Ó", comentei o fenômeno fonético que nela há -o hiato ("vogais consecutivas que pertencem a sílabas diferentes"). Vimos que há acento agudo no "i" e no "u" quando essas vogais (tônicas) são as segundas de um hiato, desde que sós ou acompanhadas de "s" (coíbe, faísca, Jaú, balaústre). É por isso que há acento em "juíza" e "raízes", mas não em "juiz" e "raiz".
Como vimos, essa regra segue o fundamento de todo o nosso sistema de acentuação: o da comparação/exclusão. Se há acento em "possuí" e "baú" (hiato), não há em "subtrai" e "pau" (ditongo). Esses casos de hiatos e de ditongos são excludentes (em termos de acentuação gráfica) justamente porque há hiatos e ditongos que se representam graficamente da mesma maneira. Em termos práticos, essa regra de acentuação existe para que não se leia "doido" quando se quer dizer "doído" (um processo "doido" é diferente de um processo "doído") ou "cai" quando se quer dizer "caí" ("Cai fora" é diferente de "Caí fora").
Muitos leitores escreveram para perguntar por que em palavras como "xiita" ou "rainha" não há acento agudo se nelas há todo o roteiro para que se ponha esse bendito sinal diacrítico na segunda vogal ("i", tônica) do hiato. "Ou será que a imprensa toda erra quando escreve "xiita" sem acento?", perguntaram alguns. Não erra, não. Para entender o porquê disso, convém relembrar (com outro exemplo prático) os fundamentos do nosso sistema de acentuação gráfica: acentuamos uma oxítona terminada em "em" (como "vintém", "armazém" etc.) porque não acentuamos (ou para não acentuarmos) uma paroxítona de mesma terminação, como "coragem", "nuvem", "homem", "item" etc.
E por que as escolhidas para "ganhar" o acento foram as oxítonas terminadas em "em" e não as paroxítonas que têm essa terminação? Porque sempre se acentuam as palavras que pertencem ao grupo minoritário. Para comprovar que as paroxítonas terminadas em "em" são (infinitamente) mais numerosas que as oxítonas, basta lembrar que 99,99% dos nossos verbos têm flexões com esse "perfil" ("amem", "encantem", "sabem", "dizem", "permitem" etc.).
Posto (tudo) isso, vamos à ausência de acento em "campainha", "rainha", "xiita" etc. Na escola, muitas vezes essa ausência é justificada com a simplória desculpa da "exceção" (-"Por que não existe o acento?" - Exceção!"). Exceção coisa nenhuma. O que há é simplesmente o seguinte: como não existe NENHUMA palavra na língua com ditongo seguido de "nh", deixa de haver motivo para que se acentue a segunda vogal do hiato que é seguido de "nh".
Trata-se, portanto, da obediência estrita aos fundamentos das regras de acentuação, que, como já se viu, foram feitas para que se acentue o menor número possível de palavras.
E "xiita"? Um picolé de limão para quem me der uma palavra (uminha só) em que haja o ditongo "ii". Se não existe o ditongo "ii", não há razão para que se acentue o segundo "i" do hiato "i-i", como o que há em "xiita", "mandriice", "vadiice" etc. "E o acento em "friíssimo'?", perguntarão alguns. A razão desse acento não reside no hiato; reside no fato de ser proparoxítono esse vocábulo. É isso.

inculta@uol.com.br


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