São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 2002

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SEGURANÇA

Ministério Público do Rio descobre que criminosos montaram central telefônica para administrar seus negócios

Do presídio, traficante encomenda míssil

Folha Imagem
Material telefônico apreendido na penitenciária de segurança máxima de Bangu 1 é exibido pela polícia


FERNANDA DA ESCÓSSIA
SABRINA PETRY

DA SUCURSAL DO RIO

De um celular de dentro do presídio fluminense de Bangu 1 -considerado de segurança máxima-, o traficante carioca Marcos Marinho dos Santos, o Chapolim, da quadrilha de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, encomendou um míssil Stinger, usado por grupos terroristas como a Al Qaeda. É o que mostram fitas com conversas telefônicas divulgadas ontem pelo Ministério Público Estadual.
As gravações revelam que dentro de Bangu 1 (zona oeste do Rio) funcionava uma central de telefones pela qual os traficantes administravam seus negócios: compravam armas, drogas, equipamentos de comunicação, controlavam a contabilidade da venda de entorpecentes e determinavam assassinatos e punições.
Foi a maior operação de investigação já feita no sistema penal fluminense. Com autorização judicial e apoio da PF (Polícia Federal), o Ministério Público fez, nas duas últimas semanas, mais de 20 horas de escuta telefônica.
Ontem de manhã, com um mandado de busca da 1ª Vara Criminal de Bangu, quatro promotores realizaram a busca na prisão.
O governo estadual ficou à margem do trabalho. Até o secretário estadual da Justiça, Paulo Saboya, foi barrado quando tentava entrar em Bangu 1 durante a busca.
Diante da suspeita de conivência de funcionários, a Promotoria conseguiu judicialmente afastar o diretor da instituição, Durval Pereira de Melo, e 97 servidores.
Com o apoio de 150 policiais militares, os promotores apreenderam sete celulares, carregadores, fios e conexões telefônicas, munição, maconha e facas artesanais, além de fitas de vídeo, listas de visita e papéis.
A maior parte desse material estava na sala de custódia, onde deveriam ficar guardados objetos de valor dos presos. Na sala da direção, foi apreendido o fax do presídio. Segundo os promotores, Beira-Mar usava o fax para contatar seu fornecedor de drogas.
Havia maconha dentro da comida que seria servida aos presos, além de dois dos sete celulares. Os presos escondiam os aparelhos de telefone em preservativos e os guardavam no cano do esgoto.
O diretor do presídio e os funcionários serão chamados a depor em inquérito na polícia. "Esse material não tem pernas, não entrou lá sozinho", disse o delegado Irineu Barroso, da 34ª DP.
Na solicitação de busca, os promotores Jorge Magno Reis Vidal e Valéria Videira da Costa afirmam que Bangu 1 foi transformado em "verdadeiro escritório central do crime organizado".
A central telefônica permitia que vários criminosos conversassem ao mesmo tempo, numa espécie de teleconferência. Segundo a promotora Mônica Marques, quem desejasse falar com um preso em Bangu 1 ligaria para uma central em Minas Gerais, que transferiria a ligação para o celular no presídio. A central de Minas, diz ela, não foi localizada.
As gravações mostram a ousadia dos criminosos e a ausência de controle em Bangu 1. Em um trecho, o traficante Chapolim pede, a um homem que se identifica como Rubinho, de São Paulo, um bloqueador de detectores de metal e um sistema de comunicação. Com Rubinho, ele conversa sobre a compra do míssil Stinger.
As gravações captaram teleconferência entre Beira-Mar, outros presos de Bangu 1 e um preso de São Paulo identificado nas fitas como Leomar, que pode ser Leomar de Oliveira Barbosa, seu braço direito, detido no ano passado no Paraguai, pela Polícia Federal, em uma operação conjunta.
Ao ser informado por Leomar de que só possuía dois celulares, Beira-Mar pergunta se não haveria funcionários para fornecer mais aparelhos. Leomar diz que a fiscalização é severa.
Em outro diálogo, Beira-Mar e Chapolim avisam a uma mulher que se identifica como Lia que matarão toda a família do empresário Leonardo Mendonça, apontado pela CPI do Narcotráfico como traficante. "Só vamos deixar as crianças", diz Chapolim.
As fitas mostram ainda a atuação de advogados como mensageiros. Com base nas fitas, a juíza decretou a prisão preventiva do advogado Hélio Rodrigues de Macedo, que trabalha para Beira-Mar, detido ontem em Brasília.
A operação no Rio confirma suspeitas da Promotoria e polícia de São Paulo de que centrais clandestinas de grupos criminosos estariam ligando cinco Estados -Rio, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo.
Após cinco meses de grampos telefônicos, no último dia 23 houve em São Paulo uma varredura em todos os presídios fechados.
Numa das fitas, um preso de São Paulo negocia, por celular, a troca de armas do PCC (Primeiro Comando da Capital) por drogas do CV (Comando Vermelho).


Colaboraram MARIO HUGO MONKEN, da Sucursal do Rio, e ALESSANDRO SILVA, da Reportagem Local

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