São Paulo, domingo, 19 de junho de 2011

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MINHA HISTÓRIA DIEGO SCHMALTZ, 29

Em busca do teu nome

(...) Desde pequeno, minha mãe me falava quem era meu pai (...) Ela foi à Justiça, ele recorreu e o processo foi extinto (...) Quero colocar na minha certidão de nascimento que eu tenho um pai

RESUMO O estudante de direito Diego Goiá Schmaltz, 29, espera há mais de 20 anos para fazer o exame de DNA que comprovará quem é seu pai.
No dia 2 de junho, em decisão inédita no STF (Supremo Tribunal Federal), foi decidido que seu direito de filiação é mais importante do que a imutabilidade das sentenças.
Dessa forma, finalmente, o exame foi autorizado.

(...) Depoimento a
NÁDIA GUERLENDA CABRAL
DE BRASÍLIA

Meus pais se conheceram no HFA (Hospital das Forças Armadas), em Brasília. Ele trabalhava como médico. Ela era paciente, mas não dele.
Durante a gravidez, ele não ajudou em nada, nem no pré-natal. Depois que nasci, minha mãe começou a pedir que ele me registrasse.
Desde pequeno, minha mãe me falava quem era meu pai. Ela pedia ajuda, ia ao hospital pegar remédios com ele. Lembro de vê-lo colocando dinheiro dentro das caixinhas de remédio.
Com uns cinco anos, estava andando pelo hospital, o vi e corri até ele. Cheguei perto e falei: "Oi, pai, tudo bem?" Ele estava com uma namorada, olhou para mim e disse: "Não sou seu pai".
Tem coisas que marcam a gente, né? Isso me marcou.
Minha mãe entrou com algumas ações de investigação de paternidade, mas ele insistia para ela tirar, dizendo que não queria fazer nada pela Justiça. Ela desistia.
Quando eu tinha uns seis ou sete anos, ele ligou dizendo que queria me dar um ovo de Páscoa. Chegou em um Passat verde. Entrei no carro, ele me deu um ovo com embalagem azul e a gente conversou um pouco. Isso marcou minha infância.
Pouco depois, em 1989, minha mãe entrou com outro processo. O juiz pediu o exame de DNA, que, na época, custava cerca de US$ 2.000. Ela era comerciante autônoma, morava de favor com a irmã e não podia pagar.
Em 1996, com a lei que dizia que o Estado deveria custear o exame, minha mãe foi novamente à Justiça. Meu pai recorreu, e o processo foi extinto. A Defensoria Pública e o Ministério Público recorreram ao STF (Supremo Tribunal Federal).

AJUDA
Aos 17 anos, eu passava por dificuldades financeiras e procurei meu pai para pedir um emprego. Eu tremia de nervoso. Queria saber por que ele não me reconhecia; ele disse que não me devia explicações. Perguntei do emprego.
Ele apontou para um livro de medicina em cima da mesa e respondeu: "Consegui tudo na minha vida pelos meus méritos. Se você quiser alguma coisa na vida, vai ser com o seu esforço, porque eu não vou te ajudar em nada."
Escutei calado, agradeci e fui embora. Foi a última vez que o vi. Esse episódio me ajudou a crescer. Vi que não adiantava procurar por ele.
Para ajudar em casa, parei de estudar. Acabei indo trabalhar no TRF (Tribunal Regional Federal), onde estou até hoje. Ganhava R$ 450.
Em 2007, mudei de função e passei a ganhar o dobro. Vi que uma faculdade anunciava o curso de direito por R$ 450 e comecei a estudar. Minha rotina era: estágio, TRF, faculdade à noite e trabalho em uma loja de brinquedos aos finais de semana.
O estudo do direito me incentivou a saber mais sobre o caso. Os recursos ingressaram em 2002 no STF e passaram por dois relatores antes do Antonio Dias Toffoli. Eu sentia desânimo com a demora, pensava: "Não é possível que eu não vou conseguir tirar aquele "xxx" da minha certidão de nascimento!"
No dia 7 de abril, Toffoli votou pela procedência do recurso. Mas foi mais uma vez o "quase": o ministro Luis Fux pediu vistas.
Até que, na quinta passada [2 de junho], acabou. O processo de 1996 vai continuar para que o exame de DNA seja feito. Foi um alívio.
Com a exposição do caso, descobri que tenho dois irmãos. Uma mora em Uberlândia e foi registrada pelo meu pai voluntariamente.
O outro mora em Tocantins e foi reconhecido judicialmente, após o exame. Em julho, ele vem para Brasília.
Espero que o meu pai faça o exame. Ele está com mais de 60 anos e não é possível que deite a cabeça no travesseiro e durma sabendo que tem um filho de 29 anos, que ele não quis reconhecer.
Eu tenho esse direito, quero colocar na minha certidão de nascimento que eu tenho um pai. No futuro, quero dizer para os meus filhos que eles têm um avô.
Neste ano, termino a faculdade, e o tema da monografia é o meu caso. Há cerca de um mês, passei em um concurso público.
Segui à risca o que ele me pediu há 11 anos, quando o procurei: trabalhei, estudei e consegui as coisas pelos meus próprios méritos.


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