São Paulo, domingo, 19 de julho de 1998

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GILBERTO DIMENSTEIN
A elegância discreta de São Paulo

Um documento oficial mostra que, em breve, a população da cidade de São Paulo vai diminuir.
Com a redução da taxa de fecundidade (número de filhos por mulher), a queda da migração e mais pessoas que buscam locais sossegados para viver, o crescimento, hoje, está próximo de zero.
Segundo projeção da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), a partir de 2005 a tendência se aprofunda.
Vamos ter uma redução de 20 mil habitantes por ano. Em cinco anos, um estádio lotado do Maracanã.
Esse é apenas um dado para começar a desmontar a visão generalizada e imbecilizada de que São Paulo está irremediavelmente refém da falta de perspectivas.
São Paulo virou sinônimo de caos e inviabilidade.
Bobagem.


O óbvio todos vemos: violência, desemprego, poluição e trânsito infernal.
Há, porém, uma conjunção de tendências capaz de transformar São Paulo na mais interessante e cobiçada cidade brasileira.


A renda média mensal de uma família em São Paulo é, hoje, de R$ 1,6 mil. A renda per capita está próxima dos R$ 7 mil.
Isso numa população de quase 10 milhões. Quantos lugares do planeta têm, hoje, tanta gente ganhando tanto dinheiro?
Esse poder de consumo, por mais lento que seja o crescimento econômico, apenas tende a crescer; a cidade, afinal, é um dos centros da globalização.


As estatísticas oficiais mostram que explodem as matrículas do segundo grau e evoluem as das universidades numa taxa bem superior ao crescimento populacional.
As empresas demandam mão-de-obra qualificada, forçando o aumento de escolaridade.
Temos, aí, uma população mais madura, com maior poder aquisitivo e educada.
Natural que a vocação de São Paulo se assemelhe à dos grandes centros como Nova York: shows, desfiles, teatros, cinemas, ótimos restaurantes, lojas, museus, charmosos cafés.


Meu otimismo é motivado, especialmente, porque vejo o surgimento de uma nova elite paulistana, socialmente sensível. É a versão avançada de ser chique.
Bancos e sindicatos de bancários se unem para educar meninos de rua; empresas entram dentro de escolas públicas; parques e ruas são adotados.
Está virando sinônimo de brega um empresário incapaz de pensar numa intervenção em sua comunidade.
O virtual presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Horário Piva, por exemplo, promete fazer da questão educacional o ponto central de sua gestão.
É aqui a sede de fundações empresariais como Abrinq ou Ayrton Senna, bancando os mais inovadores projetos para reduzir a miséria.


A Câmara Americana de Comércio desenvolve milagres em escolas públicas.
Uma entidade recém-criada chamada Ethos reúne alguns dos mais importantes empresários da cidade apenas para levantar recursos destinados a programas sociais.
Somos a combinação de excelência humana com deterioração urbana -o que abre imensas chances de progresso.
A tendência, aqui, não é produzir coisas, mas idéias; os grandes médicos, advogados, professores universitários, escritores, cientistas, publicitários, arquitetos, jornalistas.
É na infinita capacidade humana de gerar soluções que reside a beleza.


Nunca seremos uma cidade aprazível, pacata. Dificilmente, assim como em Nova York, Londres ou Paris, vamos nos livrar das chagas sociais.
Jamais teremos belezas naturais. Mas a beleza natural está para uma cidade como um vestido para uma mulher; apenas um detalhe.
Ninguém conversa, se apaixona ou dorme com o vestido.
Apaixonantes no Rio ou Salvador não são as praias, mas o bom humor, a música, a poesia, a literatura. Imaginem um Rio sem Machado de Assis, Vinicius ou Tom Jobim.
Quando olhamos para Salvador, a primeira imagem é Caetano, Gil, Jorge Amado, Caribé, Carlinhos Brown ou Cesar de LaRocca.
A cidade é apaixonante e, por isso, bela, por causa da engenhosidade de seus habitantes.
O resto é cartão postal.


Curioso que o profeta dessa cidade tenha sido um baiano, ao ver, com antecedência, que a beleza de São Paulo estava na poesia concreta de suas esquinas.


PS - Vi uma microexperiência ao lado da minha casa, na Vila Madalena, bairro onde São Paulo já encontrou o futuro.
Motoristas de táxi resolveram adotar uma praça, sem esperar o poder público. Fizeram de um imundo terreno baldio um charmoso jardim.
Pais levam os filhos para mostrar o exemplo de cidadania; senhoras param para aplaudir a iniciativa.
Eles ficam ali sentados, orgulhosos, ouvindo os elogios.


E-mail: gdimen@uol.com.br


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