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GILBERTO DIMENSTEIN
A elegância discreta
de São Paulo
Um documento oficial mostra que, em breve, a população da cidade de São Paulo
vai diminuir.
Com a redução da taxa de
fecundidade (número de filhos por mulher), a queda da
migração e mais pessoas que
buscam locais sossegados para viver, o crescimento, hoje,
está próximo de zero.
Segundo projeção da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), a
partir de 2005 a tendência se
aprofunda.
Vamos ter uma redução de
20 mil habitantes por ano.
Em cinco anos, um estádio
lotado do Maracanã.
Esse é apenas um dado para
começar a desmontar a visão
generalizada e imbecilizada
de que São Paulo está irremediavelmente refém da falta
de perspectivas.
São Paulo virou sinônimo
de caos e inviabilidade.
Bobagem.
O óbvio todos vemos: violência, desemprego, poluição
e trânsito infernal.
Há, porém, uma conjunção
de tendências capaz de transformar São Paulo na mais interessante e cobiçada cidade
brasileira.
A renda média mensal de
uma família em São Paulo é,
hoje, de R$ 1,6 mil. A renda
per capita está próxima dos
R$ 7 mil.
Isso numa população de
quase 10 milhões. Quantos
lugares do planeta têm, hoje,
tanta gente ganhando tanto
dinheiro?
Esse poder de consumo, por
mais lento que seja o crescimento econômico, apenas
tende a crescer; a cidade, afinal, é um dos centros da globalização.
As estatísticas oficiais mostram que explodem as matrículas do segundo grau e evoluem as das universidades
numa taxa bem superior ao
crescimento populacional.
As empresas demandam
mão-de-obra qualificada,
forçando o aumento de escolaridade.
Temos, aí, uma população
mais madura, com maior poder aquisitivo e educada.
Natural que a vocação de
São Paulo se assemelhe à dos
grandes centros como Nova
York: shows, desfiles, teatros,
cinemas, ótimos restaurantes, lojas, museus, charmosos
cafés.
Meu otimismo é motivado,
especialmente, porque vejo o
surgimento de uma nova elite
paulistana, socialmente sensível. É a versão avançada de
ser chique.
Bancos e sindicatos de bancários se unem para educar
meninos de rua; empresas entram dentro de escolas públicas; parques e ruas são adotados.
Está virando sinônimo de
brega um empresário incapaz
de pensar numa intervenção
em sua comunidade.
O virtual presidente da Federação das Indústrias de
São Paulo, Horário Piva, por
exemplo, promete fazer da
questão educacional o ponto
central de sua gestão.
É aqui a sede de fundações
empresariais como Abrinq ou
Ayrton Senna, bancando os
mais inovadores projetos para reduzir a miséria.
A Câmara Americana de
Comércio desenvolve milagres em escolas públicas.
Uma entidade recém-criada chamada Ethos reúne alguns dos mais importantes
empresários da cidade apenas para levantar recursos
destinados a programas sociais.
Somos a combinação de excelência humana com deterioração urbana -o que
abre imensas chances de progresso.
A tendência, aqui, não é
produzir coisas, mas idéias;
os grandes médicos, advogados, professores universitários, escritores, cientistas, publicitários, arquitetos, jornalistas.
É na infinita capacidade
humana de gerar soluções
que reside a beleza.
Nunca seremos uma cidade
aprazível, pacata. Dificilmente, assim como em Nova
York, Londres ou Paris, vamos nos livrar das chagas sociais.
Jamais teremos belezas naturais. Mas a beleza natural
está para uma cidade como
um vestido para uma mulher;
apenas um detalhe.
Ninguém conversa, se apaixona ou dorme com o vestido.
Apaixonantes no Rio ou
Salvador não são as praias,
mas o bom humor, a música,
a poesia, a literatura. Imaginem um Rio sem Machado de
Assis, Vinicius ou Tom Jobim.
Quando olhamos para Salvador, a primeira imagem é
Caetano, Gil, Jorge Amado,
Caribé, Carlinhos Brown ou
Cesar de LaRocca.
A cidade é apaixonante e,
por isso, bela, por causa da
engenhosidade de seus habitantes.
O resto é cartão postal.
Curioso que o profeta dessa
cidade tenha sido um baiano,
ao ver, com antecedência,
que a beleza de São Paulo
estava na poesia concreta de
suas esquinas.
PS - Vi uma microexperiência ao lado da minha casa,
na Vila Madalena, bairro onde São Paulo já encontrou o
futuro.
Motoristas de táxi resolveram adotar uma praça, sem
esperar o poder público. Fizeram de um imundo terreno
baldio um charmoso jardim.
Pais levam os filhos para
mostrar o exemplo de cidadania; senhoras param para
aplaudir a iniciativa.
Eles ficam ali sentados, orgulhosos, ouvindo os elogios.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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