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PASQUALE CIPRO NETO
Mezinhas e mesinhas
Em abril deste ano, Vinicius
Torres Freire publicou na
Folha um artigo em que analisava algumas gafes do presidente da
República. A certa altura, Freire
fez estas afirmações sobre Lula:
"Limita-se às metáforas chãs, tem
amor pelas mezinhas, pelas alegorias da vida de peão, sobre o companheiro que leva bronca da patroa por ter parado no botequim
para a cervejinha".
Que quis dizer o colunista com
"tem amor pelas mezinhas"? Embalada pela referência do presidente à parada "no botequim para a cervejinha", muita gente
afoita ou preconceituosa logo deduziu que o colunista quis dizer
que o presidente Lula ama as mesas de bar. Se as ama ou não, o
problema é dele -é bom que se
diga-, mas nem de longe foi isso
o que afirmou o articulista.
Pois bem, caro leitor, o desconhecimento das normas da formação do diminutivo pode ter levado muita gente a interpretar
mal o texto de Freire. A esse desconhecimento devem-se acrescentar o mau funcionamento do
"desconfiômetro" e a falta de hábito de ler e consultar dicionários.
Vamos aos fatos. Quem pensou
em "mezinhas" como diminutivo
(plural) de "mesa" esqueceu-se de
um detalhe fundamental: se a forma primitiva é "mesa", o "s" que
inicia a última sílaba permanece
quando se faz a flexão do diminutivo. O diminutivo de "mesa" é
"mesinha", o de "casa" é "casinha", o de "blusa" é "blusinha".
O processo que acabamos de ver
vale também quando a forma
primitiva singular termina em
"s": o diminutivo de "japonês" é
"japonesinho", o de "lápis" é "lapisinho", o de "país" é "paisinho".
Como se vê, nem de longe "mezinhas" pode ser o diminutivo
plural de "mesa". "Mezinhas" é só
o plural de "mezinha", palavra
que vem diretamente do latim, da
mesma raiz de "medicina" ("arte
de curar", "medicamento", de
acordo com o "Houaiss").
Os dicionários dizem que "mezinha" nomeia um certo tipo de
líquido medicamentoso e, na linguagem informal, popular, significa "remédio caseiro". Pois bem:
ao dizer que Lula "tem amor pelas mezinhas", Freire quis dizer
que o presidente gosta de soluções
caseiras, simplórias, triviais.
Faço questão de insistir num
ponto: ninguém tem obrigação de
saber o significado de "mezinha",
palavra que hoje tem baixíssima
incidência tanto no registro oral
quanto no escrito; é o conhecimento do mecanismo de formação do diminutivo que leva o leitor a deduzir que "mezinha" não
pode ser flexão de "mesa". A partir dessa dedução, o leitor deve ter
a curiosidade de consultar dicionários para finalmente saber que
diabo vem a ser "mezinha".
Convém lembrar que o texto de
Freire é anterior ao tragicômico
episódio Larry Rother (o correspondente americano que escreveu sobre a "notória" ebriedade
de Lula). Imagine só o que teria
ocorrido se Freire tivesse publicado seu artigo durante o festival de
trapalhadas protagonizadas pela
incúria do ianque e pelo despotismo do governo federal.
Voltando à questão do diminutivo, é bom lembrar que "paisinho" (que aparece no quinto parágrafo) é bem diferente de "paizinho". A primeira é o diminutivo
de "país", ou seja, significa "país
pequeno" ("Andorra é um paisinho encravado entre a França e a
Espanha"); a segunda ("paizinho") é o diminutivo de "pai".
Nesse caso, o diminutivo tem valor claramente afetivo. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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