São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

Mezinhas e mesinhas

Em abril deste ano, Vinicius Torres Freire publicou na Folha um artigo em que analisava algumas gafes do presidente da República. A certa altura, Freire fez estas afirmações sobre Lula: "Limita-se às metáforas chãs, tem amor pelas mezinhas, pelas alegorias da vida de peão, sobre o companheiro que leva bronca da patroa por ter parado no botequim para a cervejinha".
Que quis dizer o colunista com "tem amor pelas mezinhas"? Embalada pela referência do presidente à parada "no botequim para a cervejinha", muita gente afoita ou preconceituosa logo deduziu que o colunista quis dizer que o presidente Lula ama as mesas de bar. Se as ama ou não, o problema é dele -é bom que se diga-, mas nem de longe foi isso o que afirmou o articulista.
Pois bem, caro leitor, o desconhecimento das normas da formação do diminutivo pode ter levado muita gente a interpretar mal o texto de Freire. A esse desconhecimento devem-se acrescentar o mau funcionamento do "desconfiômetro" e a falta de hábito de ler e consultar dicionários.
Vamos aos fatos. Quem pensou em "mezinhas" como diminutivo (plural) de "mesa" esqueceu-se de um detalhe fundamental: se a forma primitiva é "mesa", o "s" que inicia a última sílaba permanece quando se faz a flexão do diminutivo. O diminutivo de "mesa" é "mesinha", o de "casa" é "casinha", o de "blusa" é "blusinha".
O processo que acabamos de ver vale também quando a forma primitiva singular termina em "s": o diminutivo de "japonês" é "japonesinho", o de "lápis" é "lapisinho", o de "país" é "paisinho".
Como se vê, nem de longe "mezinhas" pode ser o diminutivo plural de "mesa". "Mezinhas" é só o plural de "mezinha", palavra que vem diretamente do latim, da mesma raiz de "medicina" ("arte de curar", "medicamento", de acordo com o "Houaiss").
Os dicionários dizem que "mezinha" nomeia um certo tipo de líquido medicamentoso e, na linguagem informal, popular, significa "remédio caseiro". Pois bem: ao dizer que Lula "tem amor pelas mezinhas", Freire quis dizer que o presidente gosta de soluções caseiras, simplórias, triviais.
Faço questão de insistir num ponto: ninguém tem obrigação de saber o significado de "mezinha", palavra que hoje tem baixíssima incidência tanto no registro oral quanto no escrito; é o conhecimento do mecanismo de formação do diminutivo que leva o leitor a deduzir que "mezinha" não pode ser flexão de "mesa". A partir dessa dedução, o leitor deve ter a curiosidade de consultar dicionários para finalmente saber que diabo vem a ser "mezinha".
Convém lembrar que o texto de Freire é anterior ao tragicômico episódio Larry Rother (o correspondente americano que escreveu sobre a "notória" ebriedade de Lula). Imagine só o que teria ocorrido se Freire tivesse publicado seu artigo durante o festival de trapalhadas protagonizadas pela incúria do ianque e pelo despotismo do governo federal.
Voltando à questão do diminutivo, é bom lembrar que "paisinho" (que aparece no quinto parágrafo) é bem diferente de "paizinho". A primeira é o diminutivo de "país", ou seja, significa "país pequeno" ("Andorra é um paisinho encravado entre a França e a Espanha"); a segunda ("paizinho") é o diminutivo de "pai". Nesse caso, o diminutivo tem valor claramente afetivo. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


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