|
Texto Anterior | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
O vírus da ignorância
Clientes que frequentam casas
de prostituição masculina pagam
uma taxa extra se a relação sexual dispensar a camisinha, num
perverso seguro de vida -alguns
aceitam a proposta.
Ativistas gays relatam que esse
tipo de desatino faz parte de uma
mudança de comportamento
diante do vírus HIV provocada
pelo coquetel.
Com os novos remédios, a Aids
já não ocupa tanto destaque no
noticiário e diminuiu a percepção
de risco. Não aparecem, como antes, aquelas figuras cadavéricas,
muitos sobrevivem.
Voltam até mesmo os chamados
"dark rooms", ambientes escuros
instalados em saunas, danceterias
ou bares, onde não se vê e nem se
conhece o parceiro; sexo às cegas.
A irresponsabilidade é apenas a
outra face da desinformação -o
que foi reforçado pela divulgação,
semana passada, de que o Brasil
teria mais de 500 mil infectados.
O ponto: a deseducação é, de
longe, uma das maiores ameaças
à saúde pública.
Repete-se aqui o efeito São
Francisco, nos Estados Unidos.
Jovens que não viram de perto o
pânico da Aids não se sentem tão
acuados.
Sinais de alerta estão piscando
não apenas na percepção subjetiva dos médicos brasileiros, assistindo ao relaxamento diante da
doença.
Mais importante, delineando
uma tendência, aparecem os primeiros números que apontam o
aumento da contaminação, ainda não absorvidos pelas estatísticas nacionais.
Um centro de referência como a
Casa da Aids, em São Paulo, registra aumento no número de soropositivos; assim como as investigações que acompanham periodicamente grupos de homossexuais.
É espantoso o grau de irresponsabilidade -o que, em parte,
mostra o fracasso do poder público e, vamos reconhecer, dos meios
de comunicação.
Uma pesquisa ainda incompleta, prevista para ser divulgada no
final do ano, realizada pelo Hospital das Clínicas, em São Paulo,
revela que não chega a 20% o número de jovens que usam sempre,
sem exceção, camisinha.
Há indicações de disseminação
na juventude de vários tipos de
doença sexualmente transmissível. O que aumenta a responsabilidade dos pais e das escolas.
A camisinha não é barata e,
pior, não é acessível em locais frequentados por jovens.
O infectologista Caio Rosenthal,
do Hospital Emílio Ribas, se mostra especialmente espantado com
a dificuldade de tratar os drogados -fontes de transmissão do
HIV.
"Eles parecem que não se importam. São rebeldes, tomam a
medicação e depois param, o que
dá mais força ainda ao vírus",
afirma.
O professor David Lewy, da
Universidade Federal de São
Paulo, nota como é difícil os
doentes pobres com Aids seguirem o tratamento. "Eles simplesmente não conseguem se programar para tomar os diversos remédios na hora certa", diz.
O resultado é que a doença muda de perfil, atingindo os mais jovens e, em particular, mulheres
pobres.
Quando sabemos que existem,
no mínimo, 500 mil pessoas infectadas e se relaxa na prevenção, temos um bom motivo para que
volte o pânico no poder público e
nos meios de comunicação.
O vírus da ignorância não se cura com remédio, mas com palavras.
PS - Um dos médicos que alertam para o recrudescimento do
HIV é o infectologista David Uip,
diretor da Casa da Aids, onde são
atendidas por mês 2.000 pessoas.
Ele sustenta que o país deve ensinar os homens a preservar as
mulheres. Numa idéia que provoca debate, ele aposta que, "mais
cedo ou mais tarde", vão descobrir ser menos provável um homem heterossexual, que não se
exponha ao risco de drogas injetáveis, contrair o vírus HIV.
À medida em que é menos provável, o homem diminui a percepção de risco e expõe suas parcerias.
E-mail: gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Prefeitura: Pagura quer mudar Saúde e futuro político Índice
|