São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2000

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AMBIENTE
Canal da Maré recebe esgoto produzido por cerca de 1 milhão de pessoas e está contaminado por resíduos industriais
Baía de Guanabara tem área sem vida

ANTONIO CARLOS DE FARIA
SERGIO TORRES


DA SUCURSAL DO RIO

O canal da Maré é a primeira área da baía de Guanabara a ficar totalmente morta para a vida marinha. Pesquisa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) realizada especialmente para a Folha constatou que o canal está contaminado por resíduos tóxicos industriais.
Além da poluição por metais pesados, o canal recebe todos os dias o esgoto produzido por cerca de 1 milhão de pessoas que vivem em favelas e bairros da região. Esse esgoto é despejado sem o tratamento das impurezas.
O programa de despoluição da baía, coordenado pelo governo estadual, não prevê a recuperação do canal da Maré. Em caráter emergencial, estão sendo feitos estudos para a dragagem do canal no próximo ano.
Orçado em US$ 793 milhões, dos quais 74% de origem externa, o programa de despoluição aborda a coleta e o tratamento dos esgotos e dejetos industriais que deságuam na baía.
A recuperação do canal, de cerca de cinco quilômetros de extensão por 300 metros de largura, ficou de fora do projeto.
O canal da Maré é uma espécie de cartão de visitas de quem chega ao Rio pelo aeroporto Internacional (Ilha do Governador, zona norte) e toma o destino do centro ou da zona sul pelo trecho mais movimentado da Linha Vermelha, via expressa que corta parte da orla da baía.
Ele separa o complexo de favelas da Maré -um aglomerado de construções onde vivem cerca de 100 mil pessoas de baixa renda- da ilha do Fundão, onde, diariamente, 20 mil pessoas estudam e trabalham no campus da UFRJ.
Há cerca de 20 anos, ainda era possível a passagem de barcos de pesca pelo canal. Hoje, com o assoreamento constante, nos períodos de maré baixa já se vêem extensões de lama ligando a ilha ao continente. Nessas ocasião, na prática, a ilha deixa de existir.
Pesquisa solicitada pela Folha ao Laboratório de Radioisótopos do Instituto de Biofísica da UFRJ constatou a existência no canal da Maré de oito metais pesados em patamares superiores aos considerados normais em ambientes semelhantes.
Há no solo do canal da Maré concentrações de mercúrio, cromo, cádmio, cobre, manganês, zinco, ferro e chumbo, elementos químicos que, se consumidos pelo homem em quantidades inadequadas, podem causar doenças graves e até a morte.
Coordenador da pesquisa, o biólogo João Paulo Torres, professor do Instituto de Biofísica da universidade, afirma não ser possível a sobrevivência de peixes em um ambiente tão poluído.
"É uma área morta, sem vida. Só resistem as bactérias, que se proliferam no esgoto e que consomem todo o oxigênio da água. Sem oxigênio, os peixes se mantêm afastados daquele local", disse Torres.

Sem vida
Autor de dois livros e de uma tese de doutorado sobre a baía de Guanabara, o geógrafo Elmo Amador, professor aposentado do Instituto de Geociências da UFRJ, também sustenta que o canal da Maré é uma área sem vida.
"O peixe que entra no canal acaba morto. Aquilo é uma armadilha. A taxa de oxigênio é zero", afirmou Amador. Autoridades estaduais concordam que a poluição é tanta que a vida marinha se extinguiu no canal da Maré.
Para o engenheiro florestal Axel Grael, presidente da Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente), "a região é a mais crítica da baía".
A maior parte da poluição chega ao local pelo canal do Cunha, formado pelo rios Jacaré e Faria Timbó, que atravessam vários bairros da zona norte carioca.
Na estimativa de ambientalistas, o canal do Cunha despeja no canal da Maré o esgoto de pelo menos 1 milhão de pessoas e os poluentes de 400 indústrias.
O Laboratório de Radioisótopos da UFRJ também pesquisou para a Folha a presença de metais pesados no canal do Cunha.
Mais uma vez, ficou constatada a existência dos metais em concentrações superiores às existentes na natureza.



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