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AMBIENTE
Canal da Maré recebe esgoto produzido por cerca de 1 milhão de pessoas e está contaminado por resíduos industriais
Baía de Guanabara tem área sem vida
ANTONIO CARLOS DE FARIA
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
O canal da Maré é a primeira
área da baía de Guanabara a ficar
totalmente morta para a vida marinha. Pesquisa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
realizada especialmente para a
Folha constatou que o canal está
contaminado por resíduos tóxicos industriais.
Além da poluição por metais
pesados, o canal recebe todos os
dias o esgoto produzido por cerca
de 1 milhão de pessoas que vivem
em favelas e bairros da região. Esse esgoto é despejado sem o tratamento das impurezas.
O programa de despoluição da
baía, coordenado pelo governo
estadual, não prevê a recuperação
do canal da Maré. Em caráter
emergencial, estão sendo feitos
estudos para a dragagem do canal
no próximo ano.
Orçado em US$ 793 milhões,
dos quais 74% de origem externa,
o programa de despoluição aborda a coleta e o tratamento dos esgotos e dejetos industriais que deságuam na baía.
A recuperação do canal, de cerca de cinco quilômetros de extensão por 300 metros de largura, ficou de fora do projeto.
O canal da Maré é uma espécie
de cartão de visitas de quem chega
ao Rio pelo aeroporto Internacional (Ilha do Governador, zona
norte) e toma o destino do centro
ou da zona sul pelo trecho mais
movimentado da Linha Vermelha, via expressa que corta parte
da orla da baía.
Ele separa o complexo de favelas da Maré -um aglomerado de
construções onde vivem cerca de
100 mil pessoas de baixa renda-
da ilha do Fundão, onde, diariamente, 20 mil pessoas estudam e
trabalham no campus da UFRJ.
Há cerca de 20 anos, ainda era
possível a passagem de barcos de
pesca pelo canal. Hoje, com o assoreamento constante, nos períodos de maré baixa já se vêem extensões de lama ligando a ilha ao
continente. Nessas ocasião, na
prática, a ilha deixa de existir.
Pesquisa solicitada pela Folha
ao Laboratório de Radioisótopos
do Instituto de Biofísica da UFRJ
constatou a existência no canal da
Maré de oito metais pesados em
patamares superiores aos considerados normais em ambientes
semelhantes.
Há no solo do canal da Maré
concentrações de mercúrio, cromo, cádmio, cobre, manganês,
zinco, ferro e chumbo, elementos
químicos que, se consumidos pelo homem em quantidades inadequadas, podem causar doenças
graves e até a morte.
Coordenador da pesquisa, o
biólogo João Paulo Torres, professor do Instituto de Biofísica da
universidade, afirma não ser possível a sobrevivência de peixes em
um ambiente tão poluído.
"É uma área morta, sem vida. Só
resistem as bactérias, que se proliferam no esgoto e que consomem
todo o oxigênio da água. Sem oxigênio, os peixes se mantêm afastados daquele local", disse Torres.
Sem vida
Autor de dois livros e de uma tese de doutorado sobre a baía de
Guanabara, o geógrafo Elmo
Amador, professor aposentado
do Instituto de Geociências da
UFRJ, também sustenta que o canal da Maré é uma área sem vida.
"O peixe que entra no canal acaba morto. Aquilo é uma armadilha. A taxa de oxigênio é zero",
afirmou Amador. Autoridades
estaduais concordam que a poluição é tanta que a vida marinha se
extinguiu no canal da Maré.
Para o engenheiro florestal Axel
Grael, presidente da Feema (Fundação Estadual de Engenharia do
Meio Ambiente), "a região é a
mais crítica da baía".
A maior parte da poluição chega
ao local pelo canal do Cunha, formado pelo rios Jacaré e Faria Timbó, que atravessam vários bairros
da zona norte carioca.
Na estimativa de ambientalistas, o canal do Cunha despeja no
canal da Maré o esgoto de pelo
menos 1 milhão de pessoas e os
poluentes de 400 indústrias.
O Laboratório de Radioisótopos da UFRJ também pesquisou
para a Folha a presença de metais
pesados no canal do Cunha.
Mais uma vez, ficou constatada
a existência dos metais em concentrações superiores às existentes na natureza.
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