São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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Anorexia atinge até crianças de 9 anos

Médicos e terapeutas que trabalham com a doença apontam casos de insatisfação com o corpo antes mesmo da puberdade

Faixa mais comum entre os pacientes é a dos 15 anos, na adolescência; a resistência da família a aceitar um mal psiquiátrico piora o quadro

CLÁUDIA COLLUCCI
AFRA BALAZINA

DA REPORTAGEM LOCAL

A anorexia tem atingido meninas cada vez mais jovens, revelam médicos e terapeutas. Ainda que a maior freqüência seja por volta dos 15 anos, até garotas de nove e dez anos têm chegado aos consultórios com perda exagerada de peso e achando-se "gordas".
Não há estatísticas sobre a incidência da anorexia no Brasil, mas dados internacionais dão conta de que ela pode afetar até 20% das adolescentes, de todas as classes sociais.
A causa da doença é uma incógnita. Uma das hipóteses é que seja um distúrbio psiquiátrico causado por alterações neuroquímicas cerebrais.
Os sintomas iniciais são clássicos: a menina começa a dieta por achar-se gorda e daí não pára de perder peso. Não acredita quando dizem que está magra demais e quando come, para aliviar a culpa, causa o vômito.
"Mesmo no caso de meninas novas, sempre a insatisfação com o corpo está presente", diz Alexandre Azevedo, psiquiatra do Hospital das Clínicas da USP. Ele já atendeu uma menina de nove anos com anorexia. "Ela se achava gorda."
Em geral, a ajuda médica só é buscada quando a jovem já está bem desnutrida e parou de menstruar -indício da doença.
"No início a família pensa que é mania do adolescente. Demora a aceitar que se trata de uma doença psiquiátrica. É comum ouvir: "Minha filha não é louca'", diz a psicanalista Cybelle Weinberg, co-autora de "Do Altar às Passarelas - Da Anorexia Santa à Anorexia Nervosa" (ed. Annablume).
Segundo Lucia Helena Grando, enfermeira do Instituto de Psiquiatria do HC e que fez mestrado e doutorado sobre transtornos alimentares, o preconceito sobre o tema atrasa o diagnóstico e o tratamento.
"A família leva primeiro ao clínico, depois ao ginecologista, ao endócrino, só depois ao psiquiatra. Quando chega, o quadro já evoluiu muito", diz. Em fase avançada, a anorexia pode matar até 20% dos internados. Foi o que aconteceu com a modelo Ana Carolina Reston Marcan, morta nesta semana.
Durante o tratamento, é fundamental o engajamento da família porque a taxa de reincidência é alta: chega a 70%. Por isso, deve haver atenção sobre a jovem. "Ela não pode começar nova dieta porque volta todo o processo. É como no alcoolismo", diz Cybelle Weinberg.
De acordo com a pediatra Marilza Leal Nascimento, do Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, é comum a família "não enxergar" o problema até a jovem entrar em estado de desnutrição grave.
Uma das explicações seria o fato de as anoréxicas serem meninas bem comportadas, do tipo "filha-modelo". "Elas não assumem que têm problemas e se rebelam contra qualquer tratamento", afirma a médica.
Mas ceder às pressões das jovens pode ser um risco. A enfermeira Grando, do Instituto de Psiquiatria do HC-USP, conta um caso de uma filha de um rico fazendeiro, que falava diversas línguas e já tinha morado em vários países.
"Uma vez ela fugiu, ficou sem comer e caminhou 12 km sem parar", conta. "Depois teve alta forçada [a pedido da família], ficou em internação domiciliar e morreu por inanição."

Beleza
O conceito atual de moda que determina a magreza como símbolo de beleza e elegância tem sido apontado como um dos principais fatores que desencadeiam a doença.
"Existe uma linha muito tênue entre o padrão de normalidade atual e a anorexia. A sociedade tem colocado a magreza como um modelo de sucesso pessoal e profissional. É claro que, para absorver isso, tem que ter um substrato psiquiátrico", afirma a médica Amanda Athaíde, especializada em endocrinologia feminina.
Para Cybelle Weinberg, a doença existe desde a idade média e passou por muitas "colorações" ao longo da história. "Na Idade Média, jejuava-se para atingir o ideal da santidade; no século 19, era o ideal romântico. Agora é o estético."


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