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Anorexia atinge até crianças de 9 anos
Médicos e terapeutas que trabalham com a doença apontam casos de insatisfação com o corpo antes mesmo da puberdade
Faixa mais comum entre os pacientes é a dos 15 anos, na adolescência; a resistência da família a aceitar um mal psiquiátrico piora o quadro
CLÁUDIA COLLUCCI
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL
A anorexia tem atingido meninas cada vez mais jovens, revelam médicos e terapeutas.
Ainda que a maior freqüência
seja por volta dos 15 anos, até
garotas de nove e dez anos têm
chegado aos consultórios com
perda exagerada de peso e
achando-se "gordas".
Não há estatísticas sobre a
incidência da anorexia no Brasil, mas dados internacionais
dão conta de que ela pode afetar até 20% das adolescentes,
de todas as classes sociais.
A causa da doença é uma incógnita. Uma das hipóteses é
que seja um distúrbio psiquiátrico causado por alterações
neuroquímicas cerebrais.
Os sintomas iniciais são clássicos: a menina começa a dieta
por achar-se gorda e daí não pára de perder peso. Não acredita
quando dizem que está magra
demais e quando come, para
aliviar a culpa, causa o vômito.
"Mesmo no caso de meninas
novas, sempre a insatisfação
com o corpo está presente", diz
Alexandre Azevedo, psiquiatra
do Hospital das Clínicas da
USP. Ele já atendeu uma menina de nove anos com anorexia.
"Ela se achava gorda."
Em geral, a ajuda médica só é
buscada quando a jovem já está
bem desnutrida e parou de
menstruar -indício da doença.
"No início a família pensa
que é mania do adolescente.
Demora a aceitar que se trata
de uma doença psiquiátrica. É
comum ouvir: "Minha filha não
é louca'", diz a psicanalista
Cybelle Weinberg, co-autora
de "Do Altar às Passarelas - Da
Anorexia Santa à Anorexia
Nervosa" (ed. Annablume).
Segundo Lucia Helena Grando, enfermeira do Instituto de
Psiquiatria do HC e que fez
mestrado e doutorado sobre
transtornos alimentares, o preconceito sobre o tema atrasa o
diagnóstico e o tratamento.
"A família leva primeiro ao
clínico, depois ao ginecologista,
ao endócrino, só depois ao psiquiatra. Quando chega, o quadro já evoluiu muito", diz. Em
fase avançada, a anorexia pode
matar até 20% dos internados.
Foi o que aconteceu com a modelo Ana Carolina Reston Marcan, morta nesta semana.
Durante o tratamento, é fundamental o engajamento da família porque a taxa de reincidência é alta: chega a 70%. Por
isso, deve haver atenção sobre a
jovem. "Ela não pode começar
nova dieta porque volta todo o
processo. É como no alcoolismo", diz Cybelle Weinberg.
De acordo com a pediatra
Marilza Leal Nascimento, do
Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de
Pediatria, é comum a família
"não enxergar" o problema até
a jovem entrar em estado de
desnutrição grave.
Uma das explicações seria o
fato de as anoréxicas serem
meninas bem comportadas, do
tipo "filha-modelo". "Elas não
assumem que têm problemas e
se rebelam contra qualquer tratamento", afirma a médica.
Mas ceder às pressões das jovens pode ser um risco. A enfermeira Grando, do Instituto
de Psiquiatria do HC-USP, conta um caso de uma filha de um
rico fazendeiro, que falava diversas línguas e já tinha morado em vários países.
"Uma vez ela fugiu, ficou sem
comer e caminhou 12 km sem
parar", conta. "Depois teve alta
forçada [a pedido da família], ficou em internação domiciliar e
morreu por inanição."
Beleza
O conceito atual de moda que
determina a magreza como
símbolo de beleza e elegância
tem sido apontado como um
dos principais fatores que desencadeiam a doença.
"Existe uma linha muito tênue entre o padrão de normalidade atual e a anorexia. A sociedade tem colocado a magreza
como um modelo de sucesso
pessoal e profissional. É claro
que, para absorver isso, tem
que ter um substrato psiquiátrico", afirma a médica Amanda Athaíde, especializada em
endocrinologia feminina.
Para Cybelle Weinberg, a
doença existe desde a idade
média e passou por muitas "colorações" ao longo da história.
"Na Idade Média, jejuava-se
para atingir o ideal da santidade; no século 19, era o ideal romântico. Agora é o estético."
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