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São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 2003

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MOACYR SCLIAR

A incógnita na equação

 Dois pesquisadores britânicos disseram hoje ter achado uma equação simples para quantificar a felicidade, o que poderia resumir em uma fórmula o estado emocional. Felicidade é igual a P+5E+3A, em que P são as características pessoais, E, as características da existência, e A é auto-estima. Folha Online, 6.jan.2003.

"Estou lhe mandando este bilhete para contar de meu profundo desapontamento. Desapontamento, não. Mágoa. Sinto-me irremediavelmente magoado, horrivelmente magoado.
Tudo começou quando descobri aquela equação dos ingleses para a felicidade e resolvi aplicá-la a meu próprio caso. O resultado, para a minha surpresa, foi felicidade zero. Sou infeliz e não sabia! Que coisa triste! E aí comecei a procurar as causas desta infelicidade, para mim misteriosas, já que tenho excelentes características pessoais, a minha existência tem tudo para dar certo e a minha auto-estima é alta. Depois de quebrar muito a cabeça, descobri onde estava o erro.
O erro é você. Em matéria de matemática sentimental, você é um desastre. Um completo desastre. Você nada soma a meus sentimentos, ao contrário: você subtrai de minhas reservas emocionais tudo o que pode. Você não multiplica os meus afetos. Você também não divide comigo porque você é muito egoísta -seus pensamentos, suas alegrias, nada.
Nós não temos um denominador comum. Você quer ser o numerador, quer estar por cima, na precária fração de pessoa em que você quer me transformar. Uma fração ordinária, claro. A mais ordinária possível, dessas que a gente aprende no ensino fundamental.
Você gostaria de elevar ao infinito o expoente de minhas angústias para depois extrair delas a raiz quadrada, claro, porque só as coisas quadradas, convencionais, lhe interessam. Quando eu lhe falo essas coisas, você, que dança balé, curva o corpo em arco e sai pela tangente. Arco tangente, eis o que você é. Uma tangente que mal passa por mim e já se afasta.
Na equação de minha vida, você é um valor aleatório. Não: você é a incógnita, o xis do problema. E eu não consigo decifrar essa incógnita. Nem Einstein conseguiria. Por isso estou dando por terminado o nosso caso. À semelhança daquela expressão nos teoremas: CQD, como queríamos (como eu queria) demonstrar. Estou voltando ao ponto zero da paixão, e espero que você compreenda.
OBS: Ainda há uma chance. Estou me inscrevendo para o vestibular de matemática. Pode ser que eu aprenda então a decifrar a equação que você é. Ou, no mínimo, farei melhor as contas da minha vida.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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