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MOACYR SCLIAR
A incógnita na equação
Dois pesquisadores britânicos disseram hoje ter achado uma equação
simples para quantificar a felicidade,
o que poderia resumir em uma fórmula o estado emocional. Felicidade
é igual a P+5E+3A, em que P são as
características pessoais, E, as características da existência, e A é auto-estima. Folha Online, 6.jan.2003.
"Estou lhe mandando
este bilhete para contar de
meu profundo desapontamento.
Desapontamento, não. Mágoa.
Sinto-me irremediavelmente magoado, horrivelmente magoado.
Tudo começou quando descobri
aquela equação dos ingleses para
a felicidade e resolvi aplicá-la a
meu próprio caso. O resultado,
para a minha surpresa, foi felicidade zero. Sou infeliz e não sabia!
Que coisa triste! E aí comecei a
procurar as causas desta infelicidade, para mim misteriosas, já
que tenho excelentes características pessoais, a minha existência
tem tudo para dar certo e a minha auto-estima é alta. Depois de
quebrar muito a cabeça, descobri
onde estava o erro.
O erro é você. Em matéria de
matemática sentimental, você é
um desastre. Um completo
desastre. Você nada soma a meus
sentimentos, ao contrário: você
subtrai de minhas reservas emocionais tudo o que pode. Você não
multiplica os meus afetos. Você
também não divide comigo porque você é muito egoísta -seus
pensamentos, suas alegrias, nada.
Nós não temos um denominador comum. Você quer ser o numerador, quer estar por cima, na
precária fração de pessoa em que
você quer me transformar.
Uma fração ordinária, claro. A
mais ordinária possível, dessas
que a gente aprende no ensino
fundamental.
Você gostaria de elevar ao infinito o expoente de minhas angústias para depois extrair delas a
raiz quadrada, claro, porque só as
coisas quadradas, convencionais,
lhe interessam. Quando eu lhe falo essas coisas, você, que dança
balé, curva o corpo em arco e sai
pela tangente. Arco tangente, eis
o que você é. Uma tangente que
mal passa por mim e já se afasta.
Na equação de minha vida, você é um valor aleatório. Não: você
é a incógnita, o xis do problema. E
eu não consigo decifrar essa incógnita. Nem Einstein conseguiria. Por isso estou dando por terminado o nosso caso. À semelhança daquela expressão nos
teoremas: CQD, como queríamos
(como eu queria) demonstrar. Estou voltando ao ponto zero da
paixão, e espero que você
compreenda.
OBS: Ainda há uma chance. Estou me inscrevendo para o vestibular de matemática. Pode ser
que eu aprenda então a decifrar a
equação que você é. Ou, no mínimo, farei melhor as contas da
minha vida.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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