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Litoral norte paulista vive boom de luxo
Construtoras chegam a lançar casas de R$ 2,5 milhões com vista para o mar, piscinas privativas e área de até 440 m2
Para prefeitos, falta de boa infra-estrutura e inchaço da população é preocupante;
região pode reviver onda de
favelização dos anos 1970
AFRA BALAZINA
ENVIADA ESPECIAL AO LITORAL NORTE
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Casas acima de R$ 1 milhão,
com no mínimo quatro dormitórios, muitas com piscina privativa com vista para o mar e
em condomínios que oferecem
inúmeras mordomias aos moradores. O litoral norte de São
Paulo vive um boom do mercado imobiliário de luxo, e algumas praias lembram um canteiro de obras -como os módulos sete e oito da Riviera, com
22 novos empreendimentos.
O crescimento desse mercado beneficia as cidades: aumenta a arrecadação de IPTU, gera
empregos e preserva áreas verdes, marketing usado pelas
construtoras para atrair compradores dispostos a pagar até
R$ 2,5 milhões por uma "segunda" casa de 440 m2.
Por outro lado, os condomínios agravam problemas históricos do litoral norte: a falta de
água e redes de esgoto, acesso
limitado (a Rio-Santos e a estrada de Ilhabela são as únicas
ligações entre as praias), a coleta e a deposição do lixo e o risco
de nova onda migratória provocada pelos operários contratados pelas empreiteiras.
A Riviera de São Lourenço,
que concentra imóveis de alto
padrão, responde por 28% do
IPTU em Bertioga, estimado
em R$ 51,2 milhões neste ano.
Luiz Paulo Pompéia, diretor
da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio), diz que, somente em Bertioga, há 5.426 unidades novas
(em lançamento ou em obras).
Estrangeiros, afirma, estão
buscando áreas no entorno da
Riviera de São Lourenço.
Desde 2006, foram protocolados na Prefeitura de São Sebastião pedidos de aprovação
de ao menos dez condomínios.
Alguns nem saíram do papel,
como um de 16 casas em Camburi. "São todos de altíssimo
padrão", diz o secretário Thales Carlini (Obras). "Os poucos
terrenos que restaram perto da
praia se valorizaram muito."
"O mercado de luxo não vive
crise, são pessoas que passam
ao largo das crises", diz o empresário João Dantas, presidente da Aconvap (que reúne
construtoras da região).
Ilhabela é exemplo disso: a
Odebrecht está construindo
um condomínio de 140 mil m2
que inclui até uma unidade do
spa L'Occitane.
Preocupação
A explosão imobiliária no litoral norte, embora traga empregos e mais arrecadação de
impostos, preocupa as prefeituras. Além da crônica falta de
água e de redes e tratamento de
esgoto, há ainda os congestionamentos, comuns nos horários de chega e saída das praias,
e o aumento do lixo doméstico.
Um outro ingrediente nocivo
ao ambiente do litoral norte: a
migração desordenada de pessoas que vão trabalhar em
grandes obras e acabam em
áreas de favelas, como já ocorreu entre os anos 1970 e 1980.
Carlini diz que a cidade de
São Sebastião tem estrutura
para absorver o crescimento
imobiliário, com exceção dos
sistemas de água e esgoto, de
responsabilidade da Sabesp.
No final do ano, bairros da região ficaram sem água e, na costa sul, a rede de esgoto é precária. Ainda há casos de vazamento de esgoto diretamente na
areia da praia, como ocorre na
orla de Juqueí.
Segundo Carlini, a prefeitura
investe 37% do Orçamento, de
R$ 294,5 milhões neste ano, em
infra-estrutura, incluindo escolas e postos de saúde.
"Essas melhorias atraem investidores. Outro atrativo é o
"congelamento" das favelas, que
pararam de crescer, mas a Sabesp precisa investir", diz.
A Sabesp, há duas semanas,
anunciou investimentos de
R$ 469 milhões em todo o litoral paulista em sistemas de
água e saneamento básico.
Segundo a empresa, os sistemas de água em Caraguatatuba,
Ubatuba e São Sebastião produziram no final do ano 20% a
mais em comparação ao mesmo período de 2006. Em Ilhabela, o aumento foi de 50%.
Para o prefeito de Ilhabela,
Manoel Marcos de Jesus Ferreira, o que mais preocupa é a
superpopulação na cidade com
os lançamentos de condomínios -o maior terá 139 casas.
Segundo ele, a aprovação ocorreu antes da mudança no Plano
Diretor, que restringiu as construções no município.
"É o momento de todo o litoral norte começar a pensar primeiro na infra-estrutura, colocar o pé no freio e verificar se
está preparado", afirma.
Com a construção civil aquecida em todo o Estado, além das
grandes obras de estrutura na
região -a base de gás e o gasoduto entre Caraguatatuba e
Taubaté, a ampliação do porto
de São Sebastião e a duplicação
da rodovia dos Tamoios-, já
falta mão-de-obra.
É o que diz o diretor regional
do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil, Antônio Carlos da Silveira. "Com
tantas obras, não há pessoal suficiente na região", afirma. Há
hoje cerca de 7.000 trabalhadores no litoral norte. "Há mesmo
um risco de haver muito mais
migração", afirma.
Lixo
Outra questão ambiental latente no litoral norte é a falta de
áreas adequadas para depósitos
de lixo, o que obrigou a Prefeitura de Ilhabela a encaminhar
seus resíduos para um aterro
sanitário no Vale do Paraíba.
A coleta de lixo já é complicada, porque as cidades são altamente espalhadas, ao longo da
rodovia Rio-Santos, o que exige
grandes deslocamentos dos caminhões.
Em São Sebastião, município
que se estende por mais de 100
km de litoral, o lixão da praia da
Baleia foi fechado em razão de
graves problemas de poluição.
Como Ubatuba e Caraguatatuba sofrem o mesmo problema, a solução foi criar um consórcio intermunicipal para
criar um aterro regional. O local escolhido foi Caraguatatuba, que, além de estar no centro
do litoral norte, ainda conta
com áreas livres para o aterro.
Verde ameaçado
Um grupo de jovens que mora em Juqueí teme que a falta
de água fique mais comum e
que a natureza sofra impacto
negativo com o grande empreendimento que a Cyrela
lançou no local, de 125 casas.
"É uma grande área verde
que vão ocupar, onde encontramos tucanos, lagartos, diversos
pássaros", afirmou o balconista
Levi Almeida Ribeiro, 19. A propaganda da obra diz que 92% de
área verde será "intocavelmente" preservada.
Regina de Paiva Ramos, da
Samju (Sociedade Amigos do
Juqueí), afirma que o empreendimento é "sério" e que vai respeitar a lei. "Eles se comprometeram a usar mão-de-obra local
e vão construir sobre pilotis
[conjunto de colunas] para evitar a impermeabilização e o
desmatamento", diz.
Para a chef de cozinha Andréa Garcia Lopes, que mora há
17 anos na Itália e passa as férias no Brasil, um empreendimento para 42 casas não deveria ser feito em Paúba. "Não
tem nada de bom nisso. A cada
ano que eu venho há menos
mata. Quem vem em busca de
natureza vai procurar outro lugar", diz.
O comerciante Alexandre
Zeronian, que trabalha em
Paúba e depende dos turistas,
acredita que a praia não tem
porte para receber mais pessoas. "Vai fazer um estrago
muito grande, vai precisar de
mais encanamento, maior rede
de esgoto", diz ele, que vende
jóias na praia.
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