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DANUZA LEÃO
Um avô
Um avô que me ensinasse, pelo exemplo, a ser gentil, atenta aos outros, que
me desse muita atenção
PARIS - Eu já estava no meio do
jantar quando eles chegaram
e se sentaram na mesa ao lado.
Ela uma senhora vaidosa, com os cabelos pintados, brincos, anéis, essas
coisas que nós mulheres gostamos
de usar. Ele, um senhor já bem senhor, daqueles que só se vêem na
França. Um senhor daqueles bem
idosos de antigamente.
Pequeno, magro, os cabelos completamente brancos cortados curtos, olhos azuis e bochechas rosadas.
Como era inverno, ele, muito elegante, usava um suéter, um paletó
de tweed, um cachecol e um gorrinho de lã que tirou, assim que se
sentou à mesa. Dava para perceber
que devia cheirar a lavanda. A pele
era fina, e sem uma só ruga. O casal
não tinha a rapidez da juventude; o
andar era lento, os gestos, vagarosos,
e as palavras, calmas. Ele ajudou-a a
tirar o casaco, esperou que ela se
sentasse (na banqueta ao meu lado)
e só então se sentou, diante dela.
Levaram um bom tempo para
escolher o que iam comer, e era comovente ver como ele procurava saber do que ela gostaria, e dando sugestões; delicado, sempre muito
atento a tudo que ela dizia, e sem nenhuma impaciência ou pressa,
características dos muito jovens. E
falavam baixinho.
A garrafa de vinho chegou, ele
provou primeiro, disse ao garçom
que estava aprovada; serviu a sua dama, em primeiro lugar, depois a ele
mesmo.
Pediram uma grande bandeja de
frutos do mar, e a cada um que comiam, faziam um comentário; como
a maioria dos franceses, eles conheciam o assunto. Deixaram para o final um siri imenso, e com toda a calma do mundo -e com pinças especiais- tiraram até o último pedacinho da carne, sempre comentando
sobre o que estavam comendo. Deram toda a importância do mundo
ao jantar, e depois da conta paga
-sem pressa- ele se levantou, puxou a mesa para que sua companheira pudesse sair, ajudou-a a colocar o cachecol, o casaco, depois vestiu o seu, colocou o gorrinho na cabeça e saíram, ela na frente, ele atrás.
Imagino que já tivessem passado há
um bom tempo dos 80, mas ainda tinham o prazer da boa mesa, da boa
companhia. Seriam casados?
Acho que não, velhos casais não
costumam ter tantos assuntos, e raramente saem sozinhos para jantar.
Fiquei pensando em como gostaria de ter tido um avô como ele. Um
avô que me levasse a um restaurante
quando eu era criança, me fizesse
conhecer os mistérios das ostras, a
reconhecer um bom vinho. Um avô
que me ensinasse, pelo exemplo, a
ser gentil, atenta aos outros, que puxasse a cadeira para mim, que me
desse muita atenção, aquela que só
se dá às pessoas de quem se gosta
muito. Que me forçasse, delicadamente, a pedir uma sobremesa; que
me perguntasse, antes de pedir a
conta, se eu estava contente, e que
quando saíssemos, de mãos dadas,
parasse para me comprar um saquinho de chocolates, assim por nada,
só porque isso é coisa de avô.
Um avô que cheirasse a lavanda
como ele devia cheirar, calmo como
ele, gentil como ele, com os olhos tão
azuis quanto os dele, e que gostasse
muito de mim.
Só que aos três anos eu já não tinha mais nenhum avô, e como nunca tive, nunca me ocorreu que eles
me faziam falta.
Mas nessa noite -e pela primeira
vez- pensei em como seria bom ter
tido um avô que gostasse muito de
mim.
danuza.leao@uol.com.br
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