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SAÚDE
Estudo mostra que Dicionário de Especialidades Farmacêuticas do Brasil é mais incompleto que o americano
"Bíblia" usada por médicos do Brasil omite efeitos colaterais dos remédios
GABRIELA ATHIAS
da Reportagem Local
O "Dicionário de Especialidades Farmacêuticas" (DEF), uma
espécie de "bíblia dos remédios",
omite informações importantes
sobre mais da metade dos medicamentos mais vendidos no Brasil.
Estudo obtido pela Folha compara o dicionário brasileiro com
similares dos Estados Unidos e
constata que o do Brasil é muito
mais incompleto.
Por exemplo, o verbete de 25
dos 44 remédios mais vendidos
no Brasil não tem nenhuma referência aos seus efeitos colaterais.
Só um terço dos verbetes contém
informações sobre posologia e sobre reação quando há associação
com outros medicamentos.
O dicionário é considerado uma
publicação importante, especialmente para os médicos que trabalham longe dos grandes centros.
Ele é a fonte de informação na
hora da prescrição de medicamentos. Pesquisa feita pela Universidade Federal de Pernambuco mostra que 52% dos médicos
entrevistados consultavam o dicionário e o consideravam um
guia terapêutico.
O dicionário é publicado por
uma editora privada e distribuído
gratuitamente aos médicos.
As informações nele contidas
são publicadas mediante pagamento da indústria que fabrica o
medicamento.
Isso quer dizer que, se a indústria não pagar, o produto será descrito de forma resumida. Ou seja:
os médicos que forem prescrevê-lo, baseados no dicionário, não
saberão seus efeitos colaterais
nem qual é o comportamento do
produto quando associado a outras substâncias.
"O DEF é um auxiliar do médico", afirma o ginecologista Pedro
Paulo Monteleone, presidente do
Conselho Regional de Medicina
de São Paulo. Segundo ele, o dicionário é utilizado principalmente na hora de receitar um medicamento novo.
O dicionário também é usado
quando o profissional não prescreve um medicamento com frequência ou quando pretende associá-lo a outros produtos.
Segundo o médico João Augusto Cabral de Barros, da Universidade Federal de Pernambuco e da
Sociedade Brasileira de Vigilância
de Medicamentos (Sobravime), o
DEF é incompleto.
As omissões, como demonstra
o estudo, incluem os medicamentos que integram a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais.
Essa lista inclui remédios importantes do ponto de vista da
saúde pública. Seu conteúdo é definido pelo Ministério da Saúde,
por meio da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, seguindo recomendações da Organização
Mundial de Saúde (OMS).
Cabral de Barros é o autor do estudo que compara as informações
publicadas sobre medicamentos
no dicionário brasileiro e nas
duas publicações similares americanas, o "Physician's Desk Reference" e o "Drug Information for
the Health Care Professional".
A pesquisa será publicada nos
próximos meses na revista americana "Pharmaco Epidemiology
and Side Effects".
Risco
A falta de informações no dicionário brasileiro inclui exemplos
capazes, ainda que raramente, de
levar o paciente à morte. No caso
do remédio mais vendido no Brasil, o Cataflan (feito à base de diclofenaco), o DEF não informa,
por exemplo, que esse produto
pode causar anafilaxia, uma reação alérgica aguda que pode levar
à morte.
Também não informa que o Capoten, um anti-hipertensivo, pode causar taquicardia, insuficiência renal e até impotência.
As deficiências do DEF levam
médicos que têm acesso a mais informações a utilizar os dicionários americanos. "Uso o PDR (dicionário) americano", diz o oncologista Sérgio Simon, do Hospital
Albert Einstein. "O correto é que
no Brasil houvesse uma publicação semelhante", afirma.
Problema em bulas
José Ruben Bonfim, presidente
da Sobravime, que reúne 1,7 mil
profissionais de saúde de todo o
Brasil, afirma que a falta de informações sobre os medicamentos
não é exclusividade do material
direcionado aos médicos.
"A regra geral é que as informações contidas nas bulas dos medicamentos brasileiros são menos
completas do que as que acompanham os produtos norte-americanos", diz ele.
Estudo feito em 1993 pelo Congresso norte-americano com 243
remédios mostrou que a precisão
das bulas dos remédios produzidos naquele país era "variável".
Também apontou que no Quênia,
Brasil e Panamá, por exemplo, as
bulas eram menos completas do
que as que circulavam nos Estados Unidos.
"A indústria divulga apenas o
que lhe interessa", diz Jorge Bermudez, da Fundação Oswaldo
Cruz, no Rio de Janeiro. "Muitas
vezes, os problemas dos medicamentos não são divulgados."
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