São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2000


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SAÚDE
Estudo mostra que Dicionário de Especialidades Farmacêuticas do Brasil é mais incompleto que o americano
"Bíblia" usada por médicos do Brasil omite efeitos colaterais dos remédios

GABRIELA ATHIAS
da Reportagem Local

O "Dicionário de Especialidades Farmacêuticas" (DEF), uma espécie de "bíblia dos remédios", omite informações importantes sobre mais da metade dos medicamentos mais vendidos no Brasil.
Estudo obtido pela Folha compara o dicionário brasileiro com similares dos Estados Unidos e constata que o do Brasil é muito mais incompleto.
Por exemplo, o verbete de 25 dos 44 remédios mais vendidos no Brasil não tem nenhuma referência aos seus efeitos colaterais. Só um terço dos verbetes contém informações sobre posologia e sobre reação quando há associação com outros medicamentos.
O dicionário é considerado uma publicação importante, especialmente para os médicos que trabalham longe dos grandes centros.
Ele é a fonte de informação na hora da prescrição de medicamentos. Pesquisa feita pela Universidade Federal de Pernambuco mostra que 52% dos médicos entrevistados consultavam o dicionário e o consideravam um guia terapêutico.
O dicionário é publicado por uma editora privada e distribuído gratuitamente aos médicos.
As informações nele contidas são publicadas mediante pagamento da indústria que fabrica o medicamento.
Isso quer dizer que, se a indústria não pagar, o produto será descrito de forma resumida. Ou seja: os médicos que forem prescrevê-lo, baseados no dicionário, não saberão seus efeitos colaterais nem qual é o comportamento do produto quando associado a outras substâncias.
"O DEF é um auxiliar do médico", afirma o ginecologista Pedro Paulo Monteleone, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Segundo ele, o dicionário é utilizado principalmente na hora de receitar um medicamento novo.
O dicionário também é usado quando o profissional não prescreve um medicamento com frequência ou quando pretende associá-lo a outros produtos.
Segundo o médico João Augusto Cabral de Barros, da Universidade Federal de Pernambuco e da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), o DEF é incompleto.
As omissões, como demonstra o estudo, incluem os medicamentos que integram a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais.
Essa lista inclui remédios importantes do ponto de vista da saúde pública. Seu conteúdo é definido pelo Ministério da Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, seguindo recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Cabral de Barros é o autor do estudo que compara as informações publicadas sobre medicamentos no dicionário brasileiro e nas duas publicações similares americanas, o "Physician's Desk Reference" e o "Drug Information for the Health Care Professional".
A pesquisa será publicada nos próximos meses na revista americana "Pharmaco Epidemiology and Side Effects".

Risco
A falta de informações no dicionário brasileiro inclui exemplos capazes, ainda que raramente, de levar o paciente à morte. No caso do remédio mais vendido no Brasil, o Cataflan (feito à base de diclofenaco), o DEF não informa, por exemplo, que esse produto pode causar anafilaxia, uma reação alérgica aguda que pode levar à morte.
Também não informa que o Capoten, um anti-hipertensivo, pode causar taquicardia, insuficiência renal e até impotência.
As deficiências do DEF levam médicos que têm acesso a mais informações a utilizar os dicionários americanos. "Uso o PDR (dicionário) americano", diz o oncologista Sérgio Simon, do Hospital Albert Einstein. "O correto é que no Brasil houvesse uma publicação semelhante", afirma.

Problema em bulas
José Ruben Bonfim, presidente da Sobravime, que reúne 1,7 mil profissionais de saúde de todo o Brasil, afirma que a falta de informações sobre os medicamentos não é exclusividade do material direcionado aos médicos.
"A regra geral é que as informações contidas nas bulas dos medicamentos brasileiros são menos completas do que as que acompanham os produtos norte-americanos", diz ele.
Estudo feito em 1993 pelo Congresso norte-americano com 243 remédios mostrou que a precisão das bulas dos remédios produzidos naquele país era "variável". Também apontou que no Quênia, Brasil e Panamá, por exemplo, as bulas eram menos completas do que as que circulavam nos Estados Unidos.
"A indústria divulga apenas o que lhe interessa", diz Jorge Bermudez, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. "Muitas vezes, os problemas dos medicamentos não são divulgados."


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