São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2000


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SEGURANÇA
Gastos da polícia de SP sobem 30%, mas criminalidade segue crescendo; 99 teve 602 roubos por dia
Investimentos não detêm violência

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Dispara 11 tiros (ou 34 com dois carregadores) e substituirá o revólver calibre 38 (7 tiros). Foram compradas 7.058 pistólas


MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

O aumento dos gastos do governo paulista com segurança não está conseguindo frear a escalada da violência no Estado.
O orçamento da Secretaria da Segurança Pública aumentou 30% entre 1995, quando o governador Mário Covas (PSDB) assumiu, e 1999, mas a criminalidade não pára de crescer. Nesse mesmo período, o número de homicídios aumentou 30,5%, para ficar no número mais favorável ao governo -é o que menos cresceu (leia quadro à pág. 4-3).
O investimento em 99 -tudo que foi aplicado, exceto os gastos com salários e custeio da secretaria- foi o maior da história. Chegou a R$ 110 milhões, quase três vezes mais do que o gasto em penitenciárias (R$ 38,8 milhões).
Com esse dinheiro, o governo comprou cinco helicópteros, ao preço de R$ 3,03 milhões cada, e 873 veículos, entre os quais 187 Vectras com câmbio automático e 110 jipes Land Rover, com tração nas quatro rodas.
As razões do aumento nos gastos são óbvias: os índices de violência batem sucessivos recordes, segurança é o quesito em que o governo Covas é mais reprovado, e este é um ano eleitoral.
No mesmo período em que o orçamento aumentou 30%, ocorreu uma explosão de roubos: eles mais do que dobraram entre 1995 e 1999 -cresceram 117,4%.
No ano passado, ocorreram no Estado 219.654 roubos. Ou 602 por dia. Ou ainda 25 por hora. Em 1995, quando Covas chegou ao governo, eram realizados 277 roubos por dia ou 12 por hora.
O secretário da Segurança, Marco Vinicio Petrelluzzi, diz que "se a repressão não tivesse melhorado, e melhorou muito com os investimentos, talvez os índices tivessem subido muito mais" (leia entrevista na pág. 4-3).
Numa hipótese otimista, os gastos do ano passado começariam a surtir efeito neste ano. Não é o que está ocorrendo, porém.
A grande dúvida é: será que investir em equipamentos para a polícia é a melhor maneira de baixar a criminalidade? Não há uma única resposta, mas existe uma unanimidade: só investir na polícia, sem um plano de políticas públicas que ataque as causas da violência, não reduz a criminalidade.
"O governo está jogando dinheiro pelo ralo ao investir numa estrutura esclerosada como a da polícia", diz o sociólogo Luís Antônio de Souza, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Segundo o pesquisador, é inútil investir em equipamentos sem reformar a polícia, mudando o enfoque para a prevenção do crime.
O coronel José Vicente da Silva Filho, pesquisador de violência do Instituto Fernand Braudel e consultor do programa nacional contra a violência que está sendo articulado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, diz que o investimento não tem retorno porque a Secretaria da Segurança "gasta mal". "Com o dinheiro de cinco helicópteros, daria para comprar 611 carros Astras e o impacto sobre a violência seria maior", exemplifica.
O tenente-coronel Otacílio Soares de Lima, comandante do grupamento aéreo da PM, cita estudo da polícia de Columbus (Ohio, EUA) para justificar o uso de helicópteros, que aumentariam em seis vezes a eficiência da polícia.
"Helicóptero é muito caro se mal utilizado, mas barato quando tem bom uso", diz. O único dado que ele exibe é sobre acidentes. Em janeiro, os helicópteros salvaram 70 pessoas de afogamento.
Segundo o sociólogo Tulio Kahn, coordenador de pesquisas do Ilanud (Instituto das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento da Violência), "a polícia chegou ao limite. A polícia está sendo cobrada para um missão para a qual ela não dá mais conta".
A saída, aponta Kahn, é investir em ações sociais nas zonas violentas. As duas receitas mais óbvias são a bolsa-escola, para tirar jovens do crime e das ruas, e frentes de trabalho, para dar emprego aos desempregados. Parte dos investimentos deveriam ser canalizados para as Secretarias da Educação, do Esporte e da Saúde, sugere Kahn. "Sem mobilização geral, é quase impossível baixar os índices de criminalidade", diz.
O grande problema da segurança, diz, é a falta de motivação dos policiais e organização pouco racional. Falta de motivação, segundo ele, reverte-se com aumento salarial. "Investir em salário dá mais resultado do que em equipamentos", afirma o coronel.
Hoje, um PM ganha R$ 762, logo que sai do curso de formação. Cerca de 70% dos policiais militares fazem "bico", segundo estimativa da própria corporação.
A anomalia produziu uma inversão de valores, segundo Paulo Fortunato, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado. "Antes, a atividade paralela era o bico. Hoje, a polícia virou bico. O sujeito acaba se dedicando o mínimo à polícia porque tem de mostrar serviço no outro emprego", diz.
Uma bonificação de R$ 300 para os policiais que atuam nas regiões mais violentas acabaria com o "bico", segundo o coronel Silva Filho. Mas os policiais não têm aumento desde julho de 1997.
Investimento em equipamentos, sem mudanças na polícia, só tem uma justificativa, não no terreno da criminologia, mas do marketing eleitoral, segundo o pesquisador da USP Luís Antônio de Souza. "Investimento aparatoso é puro marketing", diz.



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