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JUVENTUDE ENCARCERADA
Estudante que passou três anos na Febem afirma que funcionários novos não têm "jogo de cintura"
Motim pode ter causa "besta", diz ex-interno
UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO
Rogério Gimenes de Pontes, 21,
é ex-interno da Febem. Ficou na
instituição por três anos -o máximo permitido por lei. Para ele, é
uma simplificação dizer que as rebeliões ocorrem como resposta
aos maus-tratos sofridos pelos
menores. Os motivos, diz ele, são
muitos. Às vezes, "são bestas".
"Desrespeitar o sistema [regra
imposta pelos funcionários ou pelos menores], é motivo para começar uma briga, que pode virar
tumulto, rebelião...", diz Pontes.
Ele afirma que, em certas unidades, tirar o chinelo durante a refeição é motivo de pancadaria.
O ex-interno também enumera
razões sérias que estão na origem
da maioria das rebeliões, como
superlotação, espancamento e
má-alimentação.
Para Pontes, a demissão de 1.751
funcionários foi um erro, pois os
novos não têm "jogo de cintura"
para lidar com os menores.
Há um ano e quatro meses fora
da Febem, Pontes diz ter entrado
"no crime" aos 13 anos. Participou de roubos e de homicídios.
Aos 17, foi preso.
Ainda interno, escreveu, em
parceria com dois outros jovens,
o livro "Ingresso para a Febem",
publicado no ano passado. Um
dos autores foi assassinado dias
depois do lançamento.
Hoje, trabalha de dia e faz faculdade de administração à noite. De
vez em quando, dá palestras para
adolescentes. Planos? Entre outros, quer trabalhar na Febem e
publicar um novo livro.
A seguir, leia trechos de entrevista concedida na última sexta,
depois de uma palestra na unidade da Febem do Brás.
Folha - Por que há tanta rebelião
na Febem?
Rogério Gimenes de Pontes - Há
muitos motivos. Espancamento,
mãe, alimentação, superlotação...
Por exemplo, se um funcionário
xingar a mãe de um adolescente é
o suficiente para uma rebelião.
Alimentação ruim também gera
rebelião. Eu já peguei tumulto,
que é quase rebelião, por causa de
alimentação. São muitos motivos.
Se tirar o espancamento, os outros motivos continuam. Só que
agora é mais fácil fazer rebelião.
Folha - Por quê?
Pontes - É difícil falar desse caso
de agora, mas, como o governador tira tantos funcionários? Ele
praticamente generalizou: "Todo
mundo espancou, bateu". Na minha opinião, isso está completamente errado. A punição tem que
ser: "Se eu fiz, tenho que pagar".
Ele tirou aqueles funcionários experientes, que já sabiam lidar com
os menores. Essa demissão está
desestruturando a Febem.
Para trabalhar na Febem, precisa de um processo de adaptação.
Sem isso, chega lá dentro sem um
convívio com os adolescentes e
sem jogo de cintura, acaba gerando rebeliões. Não é trabalho para
qualquer pessoa.
Folha - Os funcionários novos
atrapalham?
Pontes - Faltou um pouco de
senso, mas eu não sei. Fica difícil
falar, porque não tenho conhecimento de política. Mas tenho conhecimento prático. Eu já vi funcionário novo entrar. Não tem estrutura, não tem jogo de cintura.
Menor da Febem é diferente. Não
é aquela coisa de menor da sociedade, que você encontra com ele
na rua, dando risada.
Lá dentro, tem um sistema que
obriga você a pensar mais que o
outro. Não dá pra colocar um funcionário que acabou de vir da sociedade. Uma vez explicaram que
tem um processo para entrar no
pátio, um treinamento pra lidar
com adolescentes. Mas não
adianta. Quando entra lá, toma
aquele baque. Vem os menores
falando gíria, andando no gingado, tem menor que é bocudo, responde, ameaça...
O funcionário, se não tem jogo
de cintura, vai recuar, os menores
vão para cima, para cima, já dominam a casa e é motivo de rebelião. Febem tem casos e casos.
Não tem como simplificar, dizer
que é uma coisa ou outra. Tem várias coisas.
Folha - Como é a relação com os
funcionários e entre os internos?
Pontes- A relação depende muito dos dois lados. Eu posso falar
de mim. No começo, eu não tive
boa relação, não. Fui espancado,
espanquei interno...
Lá dentro, existem regras de
convívio, tanto do lado dos menores como do lado dos funcionários. É o que a gente chama de sistema. Eu tenho dois boletins de
ocorrência por agressão porque
fui contra o sistema. Geralmente é
por coisa banal, besta. Começa a
briga, que pode virar tumulto, rebelião...
Por exemplo, fiquei em unidade
em que não podia tirar o chinelo
na hora da refeição. Se tirasse, era
falta gravíssima no sistema. Isso
era da casa, regra dos próprios
menores. Tem sistema que não
permite falar palavrão, não permite tocar no outro, gesticular, levantar a camisa em dia de visita...
Todo mundo fica olhando para
ver se o outro comete falha. E não
tem como mudar o sistema, ninguém sabe quem criou, mas todo
mundo tem que reproduzir.
Eu mesmo procurava problema, espancava, batia nos novatos.
Aí veio um momento de reflexão,
de tristeza, olhei para o que estava
fazendo e resolvi mudar.
Folha - Teve algum motivo?
Pontes - Percebi que precisava
fazer algo por mim e pela minha
família. E tem duas coisas que o
ser humano tem, mas não usa. A
arte do pensamento e o estudo. Se
tiver pensamento legal e usar o estudo, dá para ter um futuro legal.
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