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DANUZA LEÃO
Pobre agenda
O amor, como se sabe, não é
eterno; mas a amizade deveria ser. Deveria, só que não é.
As afinidades fazem com que
duas pessoas se tornem amigas, e
os afetos não acabam assim de repente -a não ser aqueles entre
homem e mulher, que podem se
transformar, em minutos, da
maior das paixões no mais sangrento dos ódios.
Por que, então, tantas vezes surge o afastamento, sem nenhuma
explicação? É que as pessoas mudam, e a vida as leva para rumos
diferentes. Um dia a gente se encontra, e já no primeiro olhar sabe que não vai dar para trocar telefones e que é melhor nem sentar
para tomar um café, por falta de
assunto. Uma vai contar que está
apaixonada e vai se casar pela
terceira vez; enquanto isso a outra, que só teve um marido e foi
maltratada fisicamente pelo tempo, não tem do que falar. Da filha
que está se matando para passar
no vestibular? Do filho que se meteu com uma turma barra pesada, e que ela passa as noites em
claro, esperando que chegue? Elas
só teriam um assunto comum, o
passado, e o passado às vezes fica
muito distante, e raramente interessa.
É difícil ter amigos: somos todos
tão diferentes (e diferentes a cada
dia) que às vezes não dá para falar nem com aquela amiga de fé,
aquela com quem fala sempre,
porque naquele dia você está estranha, inquieta, precisando de
uma coisa que não sabe o que é.
Como ela, tão sensata, vai entender? Você se afasta e ela acha que
você sumiu porque é meio doida
- no que talvez tenha razão.
Em muitos momentos não quer
falar mesmo é com ninguém, nem
ver ninguém, e com isso vai se isolando. A humanidade diz que está errada, mas o que sabe a humanidade do que se passa no seu
coração? Ou será que está mesmo
errada e deveria ter mais tolerância, pois assim a vida seria mais
fácil? Será que não deveria fazer
um esforço para ser mais leve e rir
de tudo e de nada, como era antes?
A vida a tornou radical demais,
e ela agora critica -dentro dela
mesma- os que dizem coisas
sem sentido, que acham graça em
histórias que não têm o menor interesse e sorriem para pessoas sem
vontade, por algum interesse
oculto. Quanta injustiça: e ela,
por acaso, nunca fez isso? Até fez,
mas em outros tempos.
Resolve fazer um esforço e fazer
como os outros. Combina de jantar com pessoas teoricamente
agradáveis, passa por cima de algumas coisas e, em nome das dificuldades da vida, até aceita um
trabalho que contraria tudo que
pensa -afinal, trabalho é trabalho, essa é sempre a desculpa, e a
vida é dura. Mas quando volta
para casa é um alívio, e pensa que
estaria mais em paz se tivesse ficado vendo o final de um filme
em preto e branco -a televisão
está sem cor.
Tenta botar a culpa nos outros:
alguém insistiu, ela cedeu, a vida
é complicada, e se até o PT mudou porque ela não pode mudar
também, em nome de uma vida
mais fácil?
Mas não adianta: ninguém é
mais severa ao julgar seus atos do
que ela mesma. Foi ela quem vacilou, já sabia que ia ser assim, e
agora põe a raiva nos outros,
quando está com raiva é dela
mesma, que é o pior tipo de raiva
que se pode ter.
Pensando bem, em todos esses
anos subtraiu mais nomes da memória do que acrescentou -mas
percebe que não o suficiente.
Resolve abrir a agenda para saber com quantas pessoas pode
realmente conversar, pessoas que
a entendam de verdade, com
quem possa abrir o coração.
Mas muda de idéia e prefere
não arriscar.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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