São Paulo, domingo, 20 de março de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Juiz precisa "adaptar" lei por direito de gays, diz advogada

Para especialista, Congresso se amedronta diante de "patrulhas conservadoras"

Maria Berenice Dias afirma que legisladores do país têm receio de desagradar eleitores e, assim, perder votos

Mateus Bruxel/Folhapress
Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do RS

CRISTINA GRILLO
DO RIO

A desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, 63, já se acostumou a ser olhada meio de lado quando começa a discorrer sobre direito homoafetivo, sua especialidade. "As pessoas sempre acham que, como me interesso por essas questões, sou homossexual", diz.
O motivo do interesse vem dos anos 70, quando teve que brigar muito contra a discriminação para se tornar juíza no Rio Grande do Sul, onde nasceu e vive. Ao ser admitida na magistratura, prometeu que ia lutar contra o preconceito -no passado, direcionado às mulheres; agora, aos homossexuais.
Para Dias, os tribunais brasileiros têm avançado, mas ainda faltam leis específicas para que direitos já garantidos aos casais heterossexuais, como união estável, herança e adoção, sejam estendidos aos homossexuais.
A advogada, que coordena esta semana no Rio o 1º Congresso Nacional de Direito Homoafetivo, afirma que o motivo é o receio dos legisladores de desagradar eleitores e, assim, perder votos.
"Como resultado, temos uma Justiça de meia-sola, que "adapta" leis para regularizar situações de fato".

Folha - O direito brasileiro é avançado na questão dos direitos dos homossexuais? Maria Berenice Dias - Podemos dizer que os tribunais avançam bem nessas questões e têm tomado decisões bastante coerentes, modernas. Mas não há leis que garantam os direitos dos homossexuais. Os legisladores dão a impressão de terem medo de patrulhas conservadoras, tradicionalistas, que os farão perder os votos de seus eleitores caso sejam favoráveis a esses temas.


Como os tribunais podem ser modernos se as leis não são?
Usa-se a legislação disponível para tentar organizar situações que existem de fato. É o caso da união entre pessoas do mesmo sexo. As leis brasileiras estabelecem que o casamento é a união de um homem e uma mulher. Assim, a solução para que casais homoafetivos é estabelecer contratos de sociedade, o que faz com que eles não criem uma família, mas que sejam sócios. É um subterfúgio para tentar legalizar uma relação de afeto que existe concretamente.


Isso não é suficiente para dar segurança jurídica aos casais homossexuais?
Fica uma justiça de meia-sola. Os bens conjuntos podem ser divididos. Mas não funciona em caso de morte de uma das partes. A pessoa pode construir uma vida inteira ao lado de outra, mas se o parceiro morre, não tem direito à herança nem tem direito à habitação.


Está no STJ um recurso que pode levar ao reconhecimento da união estável entre homossexuais. Como isso mudam a vida desses casais?
A partir da decisão, poderemos batalhar pelo direito a alimentos em casos de separação, à adoção...


E a adoção por casais homossexuais?
É outra questão difícil, pois não há legislação específica. A solução depende da sensibilidade do juiz. O que tem acontecido é a regularização de uma situação de fato. Uma das partes adota a criança. Tempos depois, a outra parte requer sua inclusão no registro da criança. Há uma decisão do STJ favorável a isso [houve recurso e o caso agora está no STF]. É o mais lógico. Imagine a situação da criança caso aquele que a adotou morra. Então, usa-se a brecha legal. Mas, mais uma vez é um subterfúgio.


Como a Justiça vê a questão da "barriga de aluguel" para casais homoafetivos?
Cuidei do caso de duas mulheres que viviam em união estável e decidiram usar a inseminação artificial para ter um filho. O óvulo de uma foi implantado no útero da outra. Ainda durante a gravidez, pedimos à Justiça que a criança, ao nascer, fosse registrada no nome das duas. O pedido foi negado e a criança foi registrada apenas no nome da que a gerou. Pedimos então a inclusão do nome da outra. Conseguimos, mas é tudo complicado.


Texto Anterior: Jorge Antônio Siufi (1932-2011): Advogado autor do hino de MS
Próximo Texto: Raio-X
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.