São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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MOACYR SCLIAR

A guerra da ciência

Implantaram um chip nas costas de um rato... De um laptop os cientistas orientavam o animal. O rato passou a agir como um robô. Um rato teleguiado. Puseram-no dentro de um labirinto e ele não teve dificuldades para chegar até a saída. Ilustrada (Marcelo Coelho), 15.mai.2002

Os dois eram cientistas famosos. Os dois volta e meia estavam nas manchetes de jornais. E os dois competiam. Não só pela glória. Competiam pelas verbas, pelos recursos necessários para sustentar os imensos laboratórios que ambos administravam e onde as mais avançadas pesquisas eram feitas. E, por causa dessa competição, ambos guardavam rigoroso segredo acerca de seus projetos. Nada, nenhuma informação podia vazar, enquanto as pesquisas estivessem em andamento. E, como se pode imaginar, o sonho de cada um deles era descobrir o que o outro estava pesquisando. Como fazê-lo? O suborno de algum funcionário ou mesmo de um assistente seria a resposta óbvia, mas aquilo lhes repugnava. Não poderiam usar os métodos da espionagem industrial, uma espécie de guerra suja entre empresas. Seria grosseiro demais.
Finalmente um deles leu a notícia sobre o rato-robô e teve um estalo: ali estava a solução. Um método fácil, sobretudo porque ele também trabalhava com roedores. Pegou um deles, implantou um chip em seu dorso, e pronto, tinha um animalzinho teleguiado. E capaz de executar inclusive tarefas complexas.
Logo o rato teleguiado estava cumprindo a missão. Através do esgoto chegava ao laboratório rival. De lá roubava documentos e disquetes. Mais: era capaz de ligar o computador, de acessar programas e de armazená-los em seu próprio chip. E, supremo requinte, era capaz também de introduzir vírus nos bem protegidos sistemas do adversário.
Que logo se deu conta da situação. Sim, os seus projetos estavam sendo roubados e implementados pelo inimigo -que não se pejava de falar a respeito à imprensa. Mas como o fazia? Durante semanas quebrou a cabeça. Nem ele, nem os colaboradores atinavam com a forma pela qual estavam sendo roubados. Até que a secretária deu-lhe a pista. Chegando ao laboratório mais cedo, ela ouvira lá dentro um ruído esquisito: como o de um rato correndo, disse.
Rato! Agora sim, o cientista sabia de que maneira estavam ocorrendo os furtos. Mais: sabia como resolver o problema.
No dia seguinte, o rival aguardou o rato-robô, que deveria retornar com um disquete. Horas passaram e nada, o bicho não apareceu. Mandou outro rato-robô. Que também não voltou. Um terceiro, um quarto -o estoque de roedores se esgotou. Todos haviam sumido.
Na mesma noite, os dois cientistas encontraram-se num coquetel. E aquele que tinha sido roubado chamou o outro para um canto. Queria lhe mostrar algo, "o melhor antídoto contra espionagem científica", em suas palavras.
Era a foto de um gato. Um gato comum, desses que andam pelos telhados miando. Mas nenhum rato lhe escapa, garantiu o cientista, com um sorriso. O outro não disse nada. Estava pensando num cão-robô, capaz de espantar qualquer gato.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.

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