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MOACYR SCLIAR
A guerra da ciência
Implantaram um chip nas costas de
um rato... De um laptop os cientistas
orientavam o animal. O rato passou
a agir como um robô. Um rato teleguiado. Puseram-no dentro de um
labirinto e ele não teve dificuldades
para chegar até a saída. Ilustrada
(Marcelo Coelho), 15.mai.2002
Os dois eram cientistas famosos. Os dois volta e meia
estavam nas manchetes de jornais. E os dois competiam. Não só
pela glória. Competiam pelas verbas, pelos recursos necessários para sustentar os imensos laboratórios que ambos administravam e
onde as mais avançadas pesquisas eram feitas. E, por causa dessa
competição, ambos guardavam
rigoroso segredo acerca de seus
projetos. Nada, nenhuma informação podia vazar, enquanto as
pesquisas estivessem em andamento. E, como se pode imaginar,
o sonho de cada um deles era descobrir o que o outro estava pesquisando. Como fazê-lo? O suborno de algum funcionário ou mesmo de um assistente seria a resposta óbvia, mas aquilo lhes repugnava. Não poderiam usar os
métodos da espionagem industrial, uma espécie de guerra suja
entre empresas. Seria grosseiro
demais.
Finalmente um deles leu a notícia sobre o rato-robô e teve um estalo: ali estava a solução. Um método fácil, sobretudo porque ele
também trabalhava com roedores. Pegou um deles, implantou
um chip em seu dorso, e pronto,
tinha um animalzinho teleguiado. E capaz de executar inclusive
tarefas complexas.
Logo o rato teleguiado estava
cumprindo a missão. Através do
esgoto chegava ao laboratório rival. De lá roubava documentos e
disquetes. Mais: era capaz de ligar
o computador, de acessar programas e de armazená-los em seu
próprio chip. E, supremo requinte, era capaz também de introduzir vírus nos bem protegidos sistemas do adversário.
Que logo se deu conta da situação. Sim, os seus projetos estavam
sendo roubados e implementados
pelo inimigo -que não se pejava
de falar a respeito à imprensa.
Mas como o fazia? Durante semanas quebrou a cabeça. Nem ele,
nem os colaboradores atinavam
com a forma pela qual estavam
sendo roubados. Até que a secretária deu-lhe a pista. Chegando
ao laboratório mais cedo, ela ouvira lá dentro um ruído esquisito:
como o de um rato correndo, disse.
Rato! Agora sim, o cientista sabia de que maneira estavam
ocorrendo os furtos. Mais: sabia
como resolver o problema.
No dia seguinte, o rival aguardou o rato-robô, que deveria retornar com um disquete. Horas
passaram e nada, o bicho não
apareceu. Mandou outro rato-robô. Que também não voltou. Um
terceiro, um quarto -o estoque
de roedores se esgotou. Todos haviam sumido.
Na mesma noite, os dois cientistas encontraram-se num coquetel. E aquele que tinha sido roubado chamou o outro para um
canto. Queria lhe mostrar algo, "o
melhor antídoto contra espionagem científica", em suas palavras.
Era a foto de um gato. Um gato
comum, desses que andam pelos
telhados miando. Mas nenhum
rato lhe escapa, garantiu o cientista, com um sorriso. O outro não
disse nada. Estava pensando num
cão-robô, capaz de espantar qualquer gato.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em matérias publicadas
no jornal.
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