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GUERRA URBANA
Ordem do secretário da Segurança é que dados sobre mortes em confronto com policiais, que são públicos, não permaneçam nas repartições
Governo retira laudos de mortos do IML
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, mandou
recolher nas unidades dos IMLs
(Institutos Médico Legal) todos
os laudos de mortes ocorridas em
confrontos com a polícia na última semana. A ordem é que essa
documentação, que é pública, fique concentrada em seu gabinete.
Desde o início dos ataques do
PCC (Primeiro Comando da Capital), na sexta-feira passada, pelo
menos 107 suspeitos foram mortos por policiais -uma média de
15,28 mortos ao dia. No primeiro
trimestre deste ano, a média de
mortes em confrontos era de 1,3.
O governo se recusa a divulgar a
lista com o nome dos 107 mortos.
Pelo procedimento normal, o
laudo seria enviado para as delegacias onde foi registrado o óbito.
Poderia também ser remetido para a Justiça Militar, para a eventual instauração de inquérito.
A razão dessa trajetória é simples. O laudo é remetido para a
delegacia porque servirá de base à
investigação. No documento, um
médico legista registra as condições em que o cadáver chegou ao
IML, como número de tiros, distância da qual foram disparados e
o local do corpo atingido.
O laudo cadavérico do IML não
é documento sigiloso, segundo
dois especialistas em direito penal
-o ex-ministro Miguel Reale Jr. e
o ex-juiz Luiz Flávio Gomes. É
uma peça pública, como o boletim de ocorrência e inquérito policial no qual é anexado. Quando
o delegado acredita que sua divulgação pode prejudicar a investigação, solicita a um juiz que decrete
segredo de Justiça sobre o caso.
Três funcionários de IMLs diferentes contaram à reportagem da
Folha, sob a condição de que seus
nomes não fossem revelados, que
a ordem do secretário é que nenhuma documentação das mortes em confronto com policiais
permaneçam nas repartições. São
Paulo tem quatro IMLs, mas só
dois estão em funcionamento, nas
regiões central e oeste da cidade. E
outros 10 na Grande São Paulo.
A Folha requisitou às unidades
do IML acesso aos laudos. Para
não violar a privacidade da vítima, informou que não divulgaria
nomes -só a condição do morto.
As unidades do IML informaram
que já não detinham essa documentação, que ela fora enviada
para o gabinete do secretário
-que nega ter pedido os laudos.
Por determinação da SSP, a direção do IML foi proibida de dar
entrevistas. Os IMLs não são os
únicos órgãos públicos a negar informações na última semana.
Hospitais e prontos-socorros que
receberam vítimas fatais também
se recusaram a fornecer à Folha
dados sobre os mortos. Informaram que esses dados só poderiam
ser obtidos nas secretarias municipal e estadual de Saúde. O Estado de São Paulo e a prefeitura estão sob governos do PFL.
Em episódios anteriores, como
chacinas, hospitais forneciam diretamente os dados sobre os mortos para a imprensa.
O ex-juiz e advogado Luiz Flávio Gomes diz que não há ilegalidade no fato de o secretário da Segurança requisitar os laudos do
IML. O secretário é chefe de toda a
polícia e pode pedir os documentos que julgar necessários, afirma.
"É inusitado que o secretário requisite para ele essa documentação. Parece que ele quer tomar conhecimento de tudo antes. Dá um
cheiro de ilegalidade", diz.
Esse tipo de requisição era prática corriqueira no regime militar,
segundo Gomes. "Os secretários
requisitavam e os laudos saíam
conforme o desejo do chefe", diz.
Na ditadura, o IML serviu para
dar aparência de legalidade a várias execuções de opositores do
regime. Mesmo então não era comum laudos ficarem sob segredo.
No caso da morte do jornalista
Vladimir Herzog (1930-1975), por
exemplo, o laudo foi divulgado no
dia do enterro pelo 2º Exército.
O advogado Miguel Reale Jr.,
ex-ministro da Justiça, diz que solicitava cópias de laudos do IML
quando foi secretário da Segurança no governo de Franco Montoro (1983-1988). "Fazia isso para
controlar a violência policial. Deu
certo", diz.
Colaborou FABIANE LEITE, da Reportagem Local
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