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Caixa de supermercado está entre os melhores no Enade
Alessandro Santos, da Grande SP, teve a melhor nota do curso de relações públicas
Os primeiros colocados dos 15 cursos avaliados em 2006 receberão hoje, em Brasília, bolsas para cursos de mestrado ou doutorado
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
ÂNGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um sempre freqüentou escola pública, é filho de pais que só
estudaram até a quarta série e,
há seis anos, trabalha como caixa de supermercado.
O outro passou infância e
adolescência mudando de cidade, e de escola, atrás de um pai
que toda hora era transferido
no emprego, sempre estudou
em colégio particular e aprendeu inglês sozinho.
A terceira é moradora de Samambaia, uma das cidades-satélite mais pobres de Brasília,
também estudou na rede gratuita e é a 12ª filha de um casal
semi-analfabeto.
Alessandro, Marcelo e Natalina são três dos 20 primeiros
colocados em seus cursos no
Enade do ano passado. Criado
pelo MEC (Ministério da Educação) para avaliar como anda a
graduação no Brasil, o último
exame analisou 15 cursos (sendo que comunicação social tem
seis habilitações) em 2006 e teve 174.687 concluintes participantes.
Os resultados da avaliação,
divulgados no início do mês,
mostraram que a nota média
dos estudantes nas questões de
conhecimentos específicos
-75% da prova- não foi maior
que 50% em nenhuma das
áreas avaliadas. Nas questões
de formação geral -25% do
exame-, a média foi maior que
50% em apenas dois casos: arquivologia e editoração.
O primeiro colocado de cada
curso (ou habilitação) receberá
hoje, em evento em Brasília que
terá a presença do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, bolsas
de pós-graduação de R$ 940
para mestrado ou de R$ 1.394
para doutorado.
Alessandro Antonio Santos,
26, está ansioso para ir à Brasília. Sua família também. "Estou
tão orgulhosa que nem consigo
explicar. Gente pobre não pode
receber uma notícia boa dessas
que nem sabe o que fazer", diz
sua mãe, Lucinda. "Não foi fácil. A gente teve de se virar para
conseguir ajudá-lo a pagar os
dois primeiros anos da faculdade. Depois, ele conseguiu bolsa.
Mas valeu a pena."
Primeiro colocado no Enade
do curso de relações públicas
(cursado na Cásper Líbero-SP),
com nota 77,3, Alessandro
sempre estudou em escola pública e só fez cursinho porque
conseguiu uma bolsa. Desde
pequeno, porém, adorava ler.
"Meus hobbies são leitura, futebol e automobilismo. Sou vidrado pelos três."
Para pagar os estudos, começou a trabalhar como caixa no
supermercado Wal-Mart de
Taboão da Serra (Grande São
Paulo), onde mora. Agora é
frente de caixa -"ajudo os operadores e fico no atendimento
ao cliente". "Quero trabalhar
na minha área. Vou usar a bolsa
e fazer uma pós em marketing
esportivo. Esse é o meu sonho."
O goiano Marcelo Pires de
Oliveira, 22, não precisou esperar para começar o mestrado.
Formado no ano passado em
biomedicina pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com a melhor nota de todos
os cursos do Enade, 93,8, ele já
trabalha em sua tese, na instituição. "Sempre quis fazer pesquisa e adoro meu trabalho."
O cientista não se lembra de
ter tirado nota baixa no colégio
e diz que não se importava com
as brincadeiras dos colegas sobre sua dedicação aos estudos.
"Para mim, nerd é elogio."
Sem namorada nem tempo
para praticar esportes, o que ele
curte mesmo são os jogos no
computador. Parte do tempo livre também é dedicada às aulas
que dá como voluntário em um
cursinho universitário.
Morador de uma república
ao lado da faculdade, na Vila
Clementino, zona sul de São
Paulo, ele veio à cidade para estudar. "Morei em Goiânia, Brasília, Rio e Salvador, onde estão
meus pais agora. Sempre estudei em escola particular e não
fiz cursinho, entrei direto em
medicina na federal da Bahia,
mas não era o que queria."
Ao saber do curso de biomedicina, ele prestou o vestibular
na Unifesp, passou e se mudou.
Aqui, aperfeiçoou seu inglês,
que aprendeu sozinho. "Estou
tentando fazer o mesmo com o
alemão, mas está complicado."
Sem livros
Natalina de Jesus Antunes
Pinheiro, 22, sabe ler em inglês,
mas admite que fala mal. Primeira colocada do curso de biblioteconomia, com nota 81,5,
ela entrou na UnB (Universidade de Brasília) em 2003 pelo
PAS (Programa de Avaliação
Seriada), em que os alunos são
selecionados por meio de avaliações durante o ensino médio.
Levava entre 50 e 90 minutos
para chegar na faculdade, que
cursava ao mesmo tempo em
que trabalhava como secretária
de um colégio público.
Moradora de Samambaia, região com o quarto pior IDH
(Índice de Desenvolvimento
Humano) do Distrito Federal,
ela é a 12ª filha de pais semi-analfabetos que saíram do Vale
do Jequitinhonha para trabalhar em Brasília, há 25 anos. Na
casa onde nasceu, quase não
havia livros.
Apesar de ter obtido nota
81,5, enquanto a média dos seus
colegas da UnB foi de 49,2, ela
ainda não conseguiu encontrar
um emprego na área. Como secretária, ganha R$ 1.400.
A colocação no Enade poderá
servir como estímulo, e Natalina está surpresa com seu desempenho. Ela não imaginava
ter ido tão bem. "Tenho muitos
colegas que são muito bons."
Assim como Alessandro,
Marcelo e Natalina, a maioria
dos primeiros colocados no
Enade teve o bom desempenho
garantido devido à dedicação.
Além das horas na faculdade,
grande parte estudava ao menos uma hora por dia em casa.
Muitos também não tinham
namorada nem praticavam esportes durante a faculdade,
mas sempre leram bastante.
Três dos 20 primeiros colocados no exame do ano passado
têm mais de 40 anos.
Colaboraram CÍNTIA ACAYABA , JOÃO CARLOS MAGALHÃES , JOSÉ EDUARDO RONDON
e KAMILA FERNANDES , da Agência Folha, e a
Sucursal do Rio
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