São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007

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Caixa de supermercado está entre os melhores no Enade

Alessandro Santos, da Grande SP, teve a melhor nota do curso de relações públicas

Os primeiros colocados dos 15 cursos avaliados em 2006 receberão hoje, em Brasília, bolsas para cursos de mestrado ou doutorado

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

ÂNGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um sempre freqüentou escola pública, é filho de pais que só estudaram até a quarta série e, há seis anos, trabalha como caixa de supermercado. O outro passou infância e adolescência mudando de cidade, e de escola, atrás de um pai que toda hora era transferido no emprego, sempre estudou em colégio particular e aprendeu inglês sozinho. A terceira é moradora de Samambaia, uma das cidades-satélite mais pobres de Brasília, também estudou na rede gratuita e é a 12ª filha de um casal semi-analfabeto.
Alessandro, Marcelo e Natalina são três dos 20 primeiros colocados em seus cursos no Enade do ano passado. Criado pelo MEC (Ministério da Educação) para avaliar como anda a graduação no Brasil, o último exame analisou 15 cursos (sendo que comunicação social tem seis habilitações) em 2006 e teve 174.687 concluintes participantes. Os resultados da avaliação, divulgados no início do mês, mostraram que a nota média dos estudantes nas questões de conhecimentos específicos -75% da prova- não foi maior que 50% em nenhuma das áreas avaliadas. Nas questões de formação geral -25% do exame-, a média foi maior que 50% em apenas dois casos: arquivologia e editoração.
O primeiro colocado de cada curso (ou habilitação) receberá hoje, em evento em Brasília que terá a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bolsas de pós-graduação de R$ 940 para mestrado ou de R$ 1.394 para doutorado.
Alessandro Antonio Santos, 26, está ansioso para ir à Brasília. Sua família também. "Estou tão orgulhosa que nem consigo explicar. Gente pobre não pode receber uma notícia boa dessas que nem sabe o que fazer", diz sua mãe, Lucinda. "Não foi fácil. A gente teve de se virar para conseguir ajudá-lo a pagar os dois primeiros anos da faculdade. Depois, ele conseguiu bolsa. Mas valeu a pena." Primeiro colocado no Enade do curso de relações públicas (cursado na Cásper Líbero-SP), com nota 77,3, Alessandro sempre estudou em escola pública e só fez cursinho porque conseguiu uma bolsa. Desde pequeno, porém, adorava ler.
"Meus hobbies são leitura, futebol e automobilismo. Sou vidrado pelos três." Para pagar os estudos, começou a trabalhar como caixa no supermercado Wal-Mart de Taboão da Serra (Grande São Paulo), onde mora. Agora é frente de caixa -"ajudo os operadores e fico no atendimento ao cliente". "Quero trabalhar na minha área. Vou usar a bolsa e fazer uma pós em marketing esportivo. Esse é o meu sonho." O goiano Marcelo Pires de Oliveira, 22, não precisou esperar para começar o mestrado.
Formado no ano passado em biomedicina pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com a melhor nota de todos os cursos do Enade, 93,8, ele já trabalha em sua tese, na instituição. "Sempre quis fazer pesquisa e adoro meu trabalho." O cientista não se lembra de ter tirado nota baixa no colégio e diz que não se importava com as brincadeiras dos colegas sobre sua dedicação aos estudos. "Para mim, nerd é elogio." Sem namorada nem tempo para praticar esportes, o que ele curte mesmo são os jogos no computador. Parte do tempo livre também é dedicada às aulas que dá como voluntário em um cursinho universitário.
Morador de uma república ao lado da faculdade, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, ele veio à cidade para estudar. "Morei em Goiânia, Brasília, Rio e Salvador, onde estão meus pais agora. Sempre estudei em escola particular e não fiz cursinho, entrei direto em medicina na federal da Bahia, mas não era o que queria." Ao saber do curso de biomedicina, ele prestou o vestibular na Unifesp, passou e se mudou. Aqui, aperfeiçoou seu inglês, que aprendeu sozinho. "Estou tentando fazer o mesmo com o alemão, mas está complicado."

Sem livros
Natalina de Jesus Antunes Pinheiro, 22, sabe ler em inglês, mas admite que fala mal. Primeira colocada do curso de biblioteconomia, com nota 81,5, ela entrou na UnB (Universidade de Brasília) em 2003 pelo PAS (Programa de Avaliação Seriada), em que os alunos são selecionados por meio de avaliações durante o ensino médio. Levava entre 50 e 90 minutos para chegar na faculdade, que cursava ao mesmo tempo em que trabalhava como secretária de um colégio público.
Moradora de Samambaia, região com o quarto pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Distrito Federal, ela é a 12ª filha de pais semi-analfabetos que saíram do Vale do Jequitinhonha para trabalhar em Brasília, há 25 anos. Na casa onde nasceu, quase não havia livros.
Apesar de ter obtido nota 81,5, enquanto a média dos seus colegas da UnB foi de 49,2, ela ainda não conseguiu encontrar um emprego na área. Como secretária, ganha R$ 1.400. A colocação no Enade poderá servir como estímulo, e Natalina está surpresa com seu desempenho. Ela não imaginava ter ido tão bem. "Tenho muitos colegas que são muito bons." Assim como Alessandro, Marcelo e Natalina, a maioria dos primeiros colocados no Enade teve o bom desempenho garantido devido à dedicação.
Além das horas na faculdade, grande parte estudava ao menos uma hora por dia em casa. Muitos também não tinham namorada nem praticavam esportes durante a faculdade, mas sempre leram bastante. Três dos 20 primeiros colocados no exame do ano passado têm mais de 40 anos.


Colaboraram CÍNTIA ACAYABA , JOÃO CARLOS MAGALHÃES , JOSÉ EDUARDO RONDON e KAMILA FERNANDES , da Agência Folha, e a Sucursal do Rio


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