São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2001

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PASQUALE CIPRO NETO

"O fechamento dos aeroportos impediram..."

No último domingo, a querida cantora Marisa Monte deveria ter cantado no parque Ibirapuera, em São Paulo. Como estava nos Estados Unidos, não pôde voltar ao Brasil.
Um anúncio publicado na imprensa paulistana informava: "O fechamento dos aeroportos nos Estados Unidos impediram o retorno de Marisa Monte".
De início, é preciso informar que os jornais nada têm que ver com a história. Muito menos Marisa Monte. Esses anúncios são feitos por agências; os jornais, que recebem tudo pronto, apenas publicam o que lhes é enviado.
Posto isso, vamos voltar ao anúncio. O que há de "estranho" nele? O verbo, conjugado no plural ("impediram"). O que impediu a volta de Marisa foi o fechamento dos aeroportos. O sujeito da oração é "O fechamento dos aeroportos nos Estados Unidos"; o núcleo é "fechamento", singular. O verbo, por conseguinte, deveria ter sido flexionado no singular: "O fechamento dos aeroportos nos Estados Unidos impediu o retorno de Marisa Monte".
Quando tratam desse tipo de problema, as bancas examinadoras de vestibulares importantes (Vunesp, Unicamp, Fuvest, entre outros) não se têm limitado a pedir aos candidatos que localizem o erro e que reescrevam o trecho, corrigindo-o. As bancas pedem ao aluno que aponte o provável motivo do desvio.
No caso do anúncio, temos uma situação clássica: o núcleo do sujeito, singular, é seguido de vários termos que estão no plural ("dos aeroportos nos Estados Unidos"), o que acaba induzindo o falante ou redator a flexionar o verbo no plural. Mais uma vez, é preciso dizer que, em se tratando de língua culta, a explicação do erro não o torna aceitável. Em outras palavras, é necessário rever os textos para evitar desvios desse tipo.
Ainda na semana passada, ouvi numa emissora de rádio uma notícia sobre o nível dos reservatórios de nossas centrais elétricas. O texto era mais ou menos este: "O ministro Pedro Parente informa que o nível dos rios que compõem os reservatórios das principais centrais elétricas...".
Nesse momento, o capeta entrou no estúdio. Sim, o próprio. Se alguém duvida da existência do demo, basta ver o que ele faz nas redações (de rádio, TV e jornal). Pois bem. A locutora encheu o peito e, elevando o tom de voz, concluiu, otimista: "Subiram!".
O nível não subiram; subiu. De novo, a interminável sequência de penduricalhos colocados no plural ("dos rios que compõem os reservatórios das principais centrais elétricas") influenciaram... Epa! Eu também ia caindo na armadilha. O verbo deve concordar com "sequência". A flexão correta é "influenciou": "A interminável sequência influenciou".
Deve ter sido ela (a sequência) o que influenciou a radialista. Que fazer nesses casos? Reler. E vacinar-se. Pode-se cair nessa esparrela uma vez, duas, dez, vinte. Criado o hábito da releitura e o cuidado com casos afins ("O preço dos remédios subiram..."; "O custo das importações pesaram no cálculo..."; "O valor dos aluguéis de apartamentos pequenos duplicaram..."), torna-se pouco provável o escorregão. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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