|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
Carta ao pai
Um homem fantasiado de Batman
conseguiu driblar a segurança do Palácio de Buckingham, residência da
família real britânica em Londres, e
pendurar em uma das sacadas uma
faixa que dizia: "Superpais lutando
pelo direito de ver seus filhos". Trata-se de protesto contra restrições judiciais ao direito de pais divorciados de
verem seus filhos. Mundo,
14.set.2004
Carta ao pai. Franz Kafka, título de livro
"Querido pai : antes de
mais nada, uma confissão. Durante muitos anos, papai,
eu odiei você. Para ser mais preciso, desde a época em que você se
divorciou da mamãe. Muitas pessoas se divorciam, e alguma briga
sempre resulta disso, mas o caso
de vocês foi horroroso. Não é opinião só minha; os amigos de vocês, os parentes diziam que nunca
tinham visto uma separação com
tanto ódio. Mas saiu o divórcio,
de qualquer maneira, e depois
disso você sumiu. Você simplesmente sumiu. Claro, de vez em
quando você vinha me buscar, levava-me ao cinema, ou ao parque, ou a um restaurante. Não
eram encontros muito agradáveis, aqueles. Porque você não falava. Eu tentava puxar conversa,
perguntava o que você andava fazendo. Você respondia que tinha
uma atividade sigilosa, que não
podia comentar.
Mamãe tinha, claro, outra explicação acerca de sua conduta.
Seu pai nunca prestou, era o que
ela dizia, amargurada:
- Nunca quis saber de trabalhar, nunca teve um emprego decente. Eu é que tive de sustentar a
família. De vez em quando ele desaparecia por dias seguidos, por
semanas. Ia viver as aventuras
dele, o cretino. E a burra aqui
dando duro.
Que mamãe era convincente,
prova-o a decisão do juiz, proibindo você de me ver. Se fiquei
chateado? Fiquei, mas não muito.
De qualquer jeito, já não nos víamos há tempos. Estava disposto a
esquecer você, mesmo porque o
novo marido de mamãe me tratava muito bem. Como ele mesmo
dizia, queria ser um pai para
mim, o pai que, na prática, eu
não tivera.
E aí a surpresa: abri o jornal e lá
estava sua foto, na sacada do Palácio de Buckingham. Naquele
momento descobri o seu segredo:
papai, você é o Batman! Era por
isso que você levava uma vida
misteriosa, era por isso que você
sumia: porque você tinha, em segredo, de enfrentar o crime. Papai, você é um herói. Não: você é
um super-herói.
Não preciso lhe dizer que estou
superorgulhoso de você. E já resolvi uma coisa: se você é o Batman, eu serei o seu Robin. Juntos,
combateremos os bandidos, os
criminosos. Mamãe que reclame
quanto quiser. Batman e Robin
estarão juntos para sempre.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em matérias publicadas
no jornal.
Texto Anterior: Ritmo nas frentes de obras está lento Próximo Texto: Consumo: Assistente de vendas questiona laudos divergentes sobre celular Índice
|