|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Projeto usa latas para combater violência
da Reportagem Local
Em vez de tiros, batidas na lata.
Parece maluca, mas essa troca
vem dando certo no Jardim Ângela. As latas são batidas pelo
Timbalata, um projeto musical
que reúne 160 crianças e adolescentes e 80 bailarinas, as Timbaletes. A música funciona como
aglutinador de um projeto ramificado em curso gratuito pré-vestibular, aulas de dança, capoeira,
teatro, canto e artesanato.
"A idéia é promover a educação
pela arte e a organização da vida a
partir de coisas que a gente gosta:
dançar, cantar, batucar", resume
Israel Nascimento Cruz, 30, um
dos coordenadores da ONG Cio
da Terra, da qual o projeto Timbalata é o filhote mais visível.
O sucesso da empreitada é impressionante para uma terra devastada como o Jardim Ângela.
Fundada em março do ano passado, a ONG já implantou seus cursos em dez escolas e atinge 1.300
crianças e adolescentes. O nome
Timbalata é uma alusão óbvia ao
Timbalada, grupo baiano criado
por Carlinhos Brown em Salvador, que combina música e preocupações comunitárias. Cruz "espelhou-se" também no Olodum e
no Funk'n'Lata, grupo do morro
da Mangueira, no Rio.
A diferença do Timbalata e seus
congêneres é a ênfase no combate
à violência. Mas o que pode a música contra tiros? Responde Cruz:
""Nossa vontade é aproximar as
pessoas pela música e desarmar
os espíritos pela conversa".
Pode parecer mais um palavreado vazio, mas ele aponta exemplos concretos. Antes do Timbalata, moradores do Jardim Copacabana e do Jardim Tupi, que integram o subdistrito Jardim Ângela, não podiam sair de seus
bairros. O clima entre os traficantes era de guerra. Se um cruzasse a
fronteira do outro, podia morrer,
segundo Cruz.
Depois do Timbalata, a fronteira desintegrou-se. Cruz funciona
como aproximador de desafetos.
Sua maior vitória foi colocar para
dançar, lado a lado, dois líderes de
gangues rivais. "Os caras das gangues sempre chegam quietos e ficam num canto. Vou lá e converso com o camarada. A mim, eles
respeitam porque conheço música. Me chamam de professor.
Mostro que ele tem algo a ensinar
para nós e ele se integra."
O "algo bom a ensinar" é a viga-mestra dos projetos do Cio da
Terra. "Sempre achei que qualquer um, por mais pobre que seja,
sempre tem alguma habilidade
para mostrar. O Cio da Terra valoriza a habilidade dessa pessoa,
seja na música ou na capoeira.
Quando ele descobre que é bom
em algo, tudo muda: ela passa a
ser um espelho num local onde
quase não há bons exemplos.
Nossa idéia é multiplicar esses espelhos", relata.
O melhor exemplo da teoria dos
espelhos de Cruz talvez seja o curso pré-vestibular gratuito. Começou na casa dele com seis alunos e
ao final do ano eram dez. Deles,
oito passaram no vestibular. O
curso saiu da casa e hoje funciona
aos sábados na Escola Municipal
Oliveira Viana. Todos os professores são voluntários. Neste ano,
tem 78 alunos. Só não tem mais
porque não cabem na sala: 180
adolescentes se inscreveram.
O número se multiplicou rapidamente porque Cruz provou
que podia romper a barreira da
pobreza: foi à Unisa (Universidade Santo Amaro) e convenceu o
reitor a dar bolsa aos alunos. O
reitor topou que os alunos trabalhassem para a universidade. Hoje, a Unisa fornece professores para o curso pré-vestibular.
"A coisa aqui funciona porque
não desprezamos a cultura do
pessoal e nunca deixamos o prazer de lado", diz Cruz.
O som tocado pelo Timbalata é
exemplo de como a cultura local é
prezada. Mistura raps dos Racionais MCs ("Diário de um Detento" e "Homem na Estrada"), com
músicas de Caetano Veloso ("Tieta") e Olodum ("Revolta Olodum"). Cerca de 80% do repertório, porém, é do pessoal do bairro.
O sucesso do Cio da Terra foi
tão fulminante que já conseguiram apoio de duas secretarias do
Estado: da Cultura e da Justiça. A
Cultura paga os salários de três
monitores: cada um recebe R$
360 mensais. A Secretaria da Justiça escolheu a ONG como parceira
para o serviço civil voluntário,
que substitui o serviço militar.
Texto Anterior: Poder público: Covas e Pitta não cumpriram promessas Próximo Texto: Recuperar custa pouco, mas falta investimento Índice
|