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Reforma em capela acha passado colonial
Escavações feitas em templo religioso mais antigo de São Paulo revelam como jesuítas e indígenas viviam na região
Trabalho deve acabar na
sexta-feira; arqueóloga
considera São Miguel
Paulista o sítio arqueológico
mais importante da cidade
FELIPE BÄCHTOLD
RENATA SUMMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O templo religioso mais antigo da cidade de São Paulo está
sendo restaurado. A capela São
Miguel Arcanjo, construída em
1622 no bairro de São Miguel
Paulista e única capela original
do período jesuíta no município, deve ficar pronta no início
do próximo ano.
Mas é embaixo da capela que
alguns dos maiores tesouros da
região podem estar escondidos.
Essa é a opinião da arqueóloga
Lúcia Juliani, contratada para
fazer prospecções (escavações)
no interior da igreja. O objetivo
é fornecer informações sobre
as modificações sofridas pelo
edifício ao longo de seus quase
quatro séculos.
Porém Juliani considera que
as descobertas imprevistas que
vem fazendo dentro e fora da
igreja, desde setembro, são as
que contêm maior interesse
histórico. "A capela de São Miguel Arcanjo é o sítio arqueológico mais importante da cidade
de São Paulo. Não temos mais o
Pátio do Colégio original. Lá, a
igreja é uma réplica", conta.
Por meio dessas escavações,
os arqueólogos que trabalham
no local pretendem obter mais
detalhes sobre os índios que lá
moravam no século 17.
Existem vestígios de que a
capela São Miguel Arcanjo esteja construída em cima de
uma igreja ainda mais antiga,
fundada pelo padre Anchieta
em 1560, o que enriquece ainda
mais o trabalho. Nas escavações, Juliani e sua equipe já encontraram fragmentos de ossos, tecidos e dentes, o que os
leva a concluir que havia um cemitério cristão no local. "Naquela época, não existia cemitério como existe hoje. As pessoas eram enterradas em volta
da igreja, ou dentro dela, dependendo do papel desempenhado na sociedade", explica a
historiadora Roseli Santaella
Stella, da Associação Cultural
Beato José de Anchieta, responsável pelo pedido de restauração da capela.
Com esse material é possível
descobrir, por meio de análises,
quando a pessoa morreu, o
DNA, se ela sofria de doenças
crônicas e até do que era composta a alimentação dela. Segundo Rafael Bartolomucci,
outro arqueólogo da obra, uma
análise de DNA pode revelar a
origem dos corpos enterrados.
"Podemos saber se era um
ameríndio ou um europeu, por
exemplo". No local, também foram encontrados fios de cabelos. "Com essas amostras, é
possível até descobrir se eles tinham piolhos."
Cultura colonial
Além do cemitério, alguns
traços da fusão da cultura indígena com a européia já foram
detectados no local. Contas de
colares e fragmentos de adorno
são alguns dos objetos encontrados pelos pesquisadores.
Eles também coletaram pedaços de cerâmica histórica, que
utiliza a técnica de produção
indígena, mas é produzida em
formatos europeus.
"Queremos entender a cultura material dos índios, compreender como foi esse contato, e, por meio dela, buscar evidências da relação entre jesuítas e indígenas", afirma a arqueóloga.
Existe uma grande expectativa de encontrar maiores evidências sobre a identidade dos
índios que moravam no local.
"O hábito dos índios era enterrar seus mortos na aldeia. Com
certeza deve existir restos de
aldeias em volta da capela, mas
não sabemos o que foi preservado", conta Juliani.
A coordenação do projeto
pretende deixar um cômodo
aberto da maneira que está hoje: repleto de escavações. Ele ficará aberto ao público quando a
capela ficar pronta. Dessa maneira, os visitantes poderão
conferir as modificações que a
capela sofreu ao longo do tempo e a evolução das técnicas
construtivas utilizadas.
Fim das escavações
Apesar da importância da
pesquisa para entender a relação entre os índios e os jesuítas,
o grupo deve encerrar suas atividades na próxima semana,
porque o projeto não prevê verbas para o aprofundamento do
estudo. Depois, eles pretendem
buscar recursos para transformá-la em algo mais amplo, que
consiga trazer revelações históricas sobre esses primeiros momentos da colonização européia em São Paulo. "Vamos pedir apoio para a Associação
Cultural Beato José de Anchieta para tentarmos fazer um novo projeto e continuar a pesquisa", relata Juliani.
O projeto, que está orçado
em R$ 3,1 milhões e é financiado pela Petrobrás, grupo Votorantin e Banco Itaú, por meio
da Lei Rouanet, não prevê uma
verba para esse tipo de pesquisa. "Fomos contratados para
fazer uma prospecção arqueológica que ajudasse na restauração da capela, mas como arqueóloga vejo o interesse de
buscar mais recursos para continuar essas escavações e obter
o resultado científico que a
gente quer", diz Juliani.
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